Na Grécia antiga, atribui-se a Baco, o deus do vinho, a promoção de festinhas regradas a bebidas e outras coisinhas alucinantes, verdadeiros bacanais ou orgias, como queiram. Ainda não se imaginava e nem se falava nas infinidades de tipos de substancias psicotrópicas que existem atualmente e muito menos se considerava que a droga atingiria de forma desordenada todos os níveis sociais, fugindo ao controle do Estado e revelando-se uma guerra perdida. Não se previa a possibilidade de fazer valer uma “lei seca”, proibindo toda a bebedeira. Sequer se imaginava proibir a fabricação de bebida alcoólica, como ocorreu nos Estados Unidos, na década de 30, inclusive com previsão por emenda constitucional daquele país, sendo posteriormente revogada por impossibilidade de ser mantida. O tráfico de bebida alcoólica teve acentuado crescimento, fomentando o surgimento de grupos mafiosos. De outra forma, à época, também não se conhece de restrição à condução de veículos, carroças e outros tipos, estando o condutor embriagado, como está previsto na nossa atual legislação de trânsito brasileira, art. 306 da Lei nº 9.503/97. Contudo, o uso de substâncias inebriantes não ficou somente no consumo do vinho, que hoje é bebida liberada, admirada e consumida mundialmente. Já com relação a origem de psicotrópicos, as drogas, teria sido registrado numa tribo de pigmeus africanos, a descoberta de uma planta com capacidade de deixar os animais que a comiam, mansos e desorientados, portanto, presas fáceis de serem abatidas. Tal planta, identificada como tabernanthe iboga, da família das Apocynaceae, contém seu princípio ativo, identificado como ibogaína, encontrado nas raízes. Atualmente essa substância é objeto de estudos para tratamentos de usuários de drogas e outras aplicações na área da saúde física e mental. Do vinho a ibogaína, os tipos de drogas só aumentaram, na mesma proporção do seu consumo. Podem ser divididas em três tipos básicos. Naturais: como a maconha, ópio, psilocibina encontrada em fungos de cogumelos, cafeína, cogumelos alucinógenos, entre outros. Sintéticas, como as anfetaminas, barbitúricos, ecstasy, a dietilamida do ácido lisérgico, mais conhecido como LSD, as metanfetaminas, entre outros desses tipos de drogas. Semissintéticas, como a heroína, a cocaína, da qual deriva o crack, a morfina, a merla e o oxi, derivados e produzidos a partir da pasta de coca. Todas essas substâncias são consideradas as principais no mundo das drogas. São consideradas drogas secundárias: a bebida alcoólica, cola de sapateiro, etanol, inalantes, lança perfume, nicotina, entre outras. As drogas, infelizmente, são uma guerra perdida…

Num primeiro momento, não se vislumbrava a proibição no uso de substâncias psicotrópicas. Com o aperfeiçoamento e o uso descontrolado dos mais variados tipos de drogas, afetando de alguma forma a normalidade no convívio social, familiar, cultural, etc., surgem as primeiras regras impostas pelo Estado, na tentativa de controlar o problema. A autuação do Estado gera um paradoxo: a adoção de medidas proibitivas de acesso às drogas, remete a possibilidade dessa demanda ser atendida por grupos criminosos. Se o Estado não fornece drogas, alguém poderá fazê-lo e dessa forma obter lucro. Surge o narcotráfico, que hoje tem atuação no mundo todo, envolvendo grandes quantias em dinheiro, pessoas de todos os níveis, influenciando tudo e todos, na medida que se alastra na sociedade. Dentro da ótica de política de segurança pública, não dá para considerar o traficante como um problema de saúde pública. Quanto ao usuário de drogas, a questão pode ser reversa.

OUTROS ARTIGOS DE JOSÉ ROBERTO FERRAZ

É PRECISO ENTENDER A VIOLÊNCIA PARA NÃO SER MAIS UMA VÍTIMA

ARMA DE FOGO, ARMA DE DEFESA DA VIDA OU MEIO DE MORTE?

A TEORIA E A PRÁTICA DA UNIFICAÇÃO DAS POLÍCIAS 

CRIMES COMPLEXOS EXIGEM ATUAÇÃO POLICIAL ESPECIALIZADA

POLICIAS, MAIS UM DIA DE LUTA, DE VIVER OU DE MORRER

BIOPIRATARIA, O ATAQUE INVISÍVEL AO PATRIMÔNIO GENÉTICO DO BRASIL

O SISTEMA POLICIAL BRASILEIRO E SUA FUNCIONALIDADE. MAS FUNCIONA?

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: QUE SAUDADES DE DOM FELIPE III

SEMPRE HÁ ALGUÉM NO CAMINHO DAS BALAS PERDIDAS

PLANO NACIONAL DE SEGURANÇA: O CRIME ORGANIZADO AGRADECE

FELIZ ANIVERSÁRIO, SUPERANDO A HIPOCRISIA HUMANA

MORADOR DE RUA: QUESTÃO SOCIAL, DE SAÚDE OU CRIMINAL?

NO SÉCULO III a.C, BALÃO ERA NOVIDADE LÚDICA; HOJE É CRIME AMBIENTAL

Trazendo à questão das drogas a “Lei da oferta e da demanda” de Adam Smith, considerado o pai da Economia, se há procura de drogas por usuários, sempre haverá o “fornecedor” interessado em ofertar o “produto” e obviamente lucrar com isso. Para tentar extinguir esse mal, já foi pensado em várias possibilidades, mas até então sem efetivos resultados. Medidas paliativas sugerem que batalha esteja perdida. Segundo o livro “Drogas, concepções, imagens: um comentário sobre dependência a partir do modelo usual de prevenção” de Eduardo A. Furtado Leite, publicado em 2005, o combate ao tráfico de drogas pode ser considerado sob duas perspectivas: forma ortodoxa e forma heterodoxa. Na primeira, de natureza mais repressiva do que preventiva, procura-se aprimorar o fortalecimento e modernização do aparato policial, somado a criação de programas sociais, esses mais voltados à prevenção das drogas. Já dentro das perspectivas heterodoxas, onde seriam criadas formas diferenciadas, o autor traz a questão da legalização das drogas como medida a combater a sua venda ilegal. Exemplos nesse sentido, já existem mundo afora e cada um tem apresentado resultados diferentes, ainda carecedores de melhor avaliação pelo poder público para sua eventual institucionalização. Como exemplo extremo, o governo filipino, tem se valido da aplicação da pena de morte aos crimes envolvendo tráfico de drogas, mesmo contrariando a Convenção Internacional de Direitos Civis e Políticos, da qual é signatário. Por lá, a droga mais disseminada tem certa semelhança com o crack encontrado em todas as capitais dos estados brasileiros, além de algumas cidades de porte médio. Trata-se de uma metanfetamina que recebe o nome de shabu, que também é consumida em cachimbos. Contrário a essa postura das Filipinas, cerca de vinte países já contam com a descriminalização, quanto ao uso de entorpecente, o que pode refletir de alguma forma no comércio ilegal da droga. O exemplo mais marcante nessa questão foi o do governo uruguaio, que em 2013 regulamentou não só o uso, mas também a produção e comercialização da droga no país. Os resultados esperados podem trazer novas perspectivas de combate ao tráfico de drogas para demais países atingidos por esse mal. Vale lembra que a não criminalização do cigarro não inibiu a sua produção clandestina, além de contribuir para a ocorrência de outros crimes, como descaminho, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, entre outros.

No livro – Se Liga! O livro das drogas, publicado em 2003, o autor já registrava o preocupante e trágico cenário do crack no Estado de São Paulo, referindo-se a uma situação de “descabelamento”, para descrever e identificar a situação caótica que, naquela época, já se intensificava na capital, ao mesmo tempo em que se alastrava para os municípios paulistas. Na tentativa de se combater essa proliferação das chamadas “Cracolândias” no país, foi criado em 2011 o programa federal de combate ao crack. Os municípios inscritos receberam equipamentos, armamento não letal, sistema de monitoramento, instrução especial voltada a conhecer e compreender a complexidade do tema, enfim, todo um conjunto de ações integrando as áreas de segurança pública, saúde e assistência social, para uma mesma finalidade. Apesar de o programa ter dado resultados efetivos enquanto ativo, a partir de 2016 foi sendo esquecido e infelizmente alguns municípios deixaram de aplicar as experiências adquiridas na execução do programa de combate ao crack, como é o caso de Jundiaí.

LEIA TAMBÉM:

TERRORISMO: NEOLOGISMO OU REALIDADE BRASILEIRA?

O CAÓTICO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

CIBERCRIMES

FOGO É FOGO

VERGONHA NA CARA

QUANDO AS PLACAS AVISAM QUE É PROIBIDO PESCAR E CAÇAR

TODA RESPONSABILIDADE DO ESTADO NA SEGURANÇA PÚBLICA

MEIO AMBIENTE É A PROTEÇÃO DAS PLANTINHAS E DOS BICHINHOS?!?!

A SEGURANÇA E O PLANTIO DE BATATAS

POLICIAMENTO OSTENSIVO FEDERAL: O HAITI É AQUI?

SENSAÇÃO DE SEGURANÇA NÃO É SEGURANÇA

INTELIGÊNCIA

É BOM QUE SE DIGA: LIXÕES NÃO SÃO ATERROS SANITÁRIOS

No campo jurídico, a questão das drogas era tratada inicialmente pela Lei nº 6.368/76, que foi revogada pela atual Lei nº 11.343/06. Enquanto em vigor, aquela lei tipificava a conduta de usar droga como crime, prevendo punição de detenção de seis meses a dois anos, ou seja, o usuário podia ser preso em flagrante delito, ainda que o crime fosse afiançável. Já o tráfico de drogas era apenado com reclusão de três a quinze anos. Na atual lei em vigor de 2006, apesar do uso ainda ser considerado crime, discussões contrárias à parte, a pena que antes era de seis meses a dois anos de detenção, passa para uma simples advertência verbal, ou seja, não representa nenhuma forma de intimidação para evitar a reincidência da conduta. Quanto ao tráfico de drogas, só aumenta o mínimo da pena, que passa de três para cinco anos de reclusão, não se alterando o máximo da pena que continua de quinze anos, salvo eventuais agravantes. De sorte que a efetiva aplicação da lei também não representa solução, quanto a resultados satisfatórios na guerra contra as drogas. A impressão que ficou para a área de segurança pública é que o abrandamento na legislação fomentou o crescimento do consumo, tornando mais difícil a fiscalização desse tipo de conduta. A sociedade ainda tem resistência a liberdade de consumo de drogas e se frustra quando solicita providencias do Estado, que não consegue atender conforme gostaria o cidadão. O Estado deve ser legalista.

Assim, o que fazer para buscar soluções que tragam ao menos, algum tipo de resultado, já que é preciso admitir que a possibilidade de uma sociedade sem drogas é algo utópico, como já foi dito na França. Porém, insistindo na busca de soluções, podem ser consideradas várias formas de políticas púbicas de combate as drogas. A proibição do uso com a aplicação de repressão até funciona dentro de critérios paliativos, mas não erradica de forma perene o problema, como deveria acontecer. Até aqui, melhor que nada. Outra saída seria a legalização das drogas, experiência já vivenciada por outros países, com resultados positivos de um lado, mas também com situações de agravamento em outras áreas, como por exemplo a insistência do traficante em comercializar a droga mais barata que a fornecida pelo Estado. Nesse sentido, resta aguardar os resultados da política implantada no Uruguai e talvez tenhamos uma luz no fim do túnel. De outra forma, poder-se-ia ainda, aplicar a denominada política de redução de danos, admitindo o fracasso do Estado em resolver de vez o problema, considerando que o vício é algo mais forte que o viciado. Nesse sentido, seriam priorizadas ações paliativas no combate as drogas (prevenção). O que fazer diante de situação tão complexa, ainda continua em discussão e na busca de efetivas respostas, já que as experiências aplicadas até então, não têm demonstrado nenhum ou poucos resultados eficazes na solução da questão. Isso em Jundiaí e em qualquer parte do mundo. (foto acima: Tânia Rêgo/Agência Brasil)


DR.-FERRAZ-1-400x267JOSÉ ROBERTO FERRAZ

Ex-comandante da Guarda Municipal de Jundiaí; delegado aposentado da Polícia Civil; especialista e professor de Direito Ambiental.