Em maio do ano passado, a Organização Mundial da Saúde – OMS, publicou relatório indicando que o Brasil é o país mais violento das Américas, atingindo cerca de mais de 32 homicídios por 100 mil habitantes. Essa informação sugere que talvez as orientações da mesma Organização publicadas em outro Relatório em 2014, sobre a prevenção da violência, são tímidas e não se efetivam como deveriam no cenário nacional. Conforme registra a Nota Técnica nº 16 de março de 2016, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, o Brasil, segundo indicadores de 2014, estaria entre os 12 países com maiores taxas de homicídios por 100 mil habitantes, no mundo. Tais indicadores confirmam a gravidade da situação da Segurança Pública no país e falar em terrorismo parece neologismo, mas não é, pois que esses dados somente registram a realidade atual brasileira de insegurança, que se alastra país afora. No geral pode-se considerar que qualquer tipo de violência sofrida pela vítima tem significado de terrorismo, visto que impõe uma sensação de medo, de impotência, de trauma psicológico, entre outras mazelas, resultando na violação da integridade física e mental da pessoa. Vamos analisar se o terrorismo é um neologismo ou realidade brasileira.

Historicamente não há uma data específica para indicar o surgimento do terrorismo no mundo, mas vale como ilustração o exemplo de situação envolvendo Napoleão Bonaparte, no pós Revolução Francesa, quando teria sido vítima de atentado planejado e executado por camponeses oriundos do oeste da França – Chouans, contrários à Monarquia. Os terroristas teriam colocado uma carroça carregada de explosivos, estrategicamente estacionada no caminho onde Napoleão teria que passar para ir à ópera. A ação “terrorista”para exterminar o general francês teria fracassado no seu intento, não ocorrendo a explosão planejada. Ironicamente, séculos depois, essa ainda é uma das estratégias de ataque empregadas por grupos terroristas pelo mundo, por motivos ideológicos mesclados com religião e política, como no caso dos atentados realizados por integrantes do Estado Islâmico no Oriente Médio, com utilização de carros bomba atingindo alvos distintos com grande aglomeração de pessoas, provocando inúmeras mortes, além de enormes danos patrimoniais. Nesses atos terroristas os criminosos são considerados mártires e seriam motivados por certos benefícios no pós morte, revelando a insanidade das atrocidades que ocorrem naquela região e se materializa pelo mundo. Num cenário globalizado, infelizmente importamos essa modalidade criminosa que vem a somar aos inúmeros atentados diários sofridos pela população, através dos chamados crimes comuns. O povo fica cada vez mais à mercê de marginais agindo isolados ou em grupo, violentos e cada mais ousados em razão da incompetência do Estado em adotar e implantar medidas necessárias a evitar tais situações, propiciando crescente sensação de insegurança e impunidade.

No Brasil, o termo terrorismo já vem sendo empregado em movimentos ideológicos, desde a fase de instabilidade política até a considerada atual estabilidade democrática. Sem entrar no mérito das visões políticas antagônicas e sem desmerecer conteúdos de obras importantes que retratam ou deveriam retratar com devida clareza e transparência a nossa conturbada história política, o terrorismo no Brasil está legalmente sacramentado. Não se trata especificamente do terrorismo genérico, como o descrito no “Livro Negro do Terrorismo no Brasil”, mas de condutas típicas próprias que a partir do ano passado, passaram a configurar crimes graves, cujas penas de prisão que podem chegar ao máximo previsto na legislação brasileira, podendo chegar até 30 anos de reclusão. Como se já não bastasse a violência generalizada existente e que se alastra no seio da sociedade brasileira, dia após dia, hoje atualizados com o que ocorre no mundo, também enfrentamos no território pátrio, os tormentos causados por ações violentas praticadas por organizações criminosas identificados como terroristas.

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É preciso diferenciar o terrorismo comum que se manifesta em qualquer tipo de violência contra a pessoas e o terrorismo ideológico ou organização terrorista, enquanto crime específico previsto em legislação especial promulgada em 2016. Basicamente, a diferença reside na subjetividade do agente quando da execução da ação criminosa, conforme finalidade buscada. Como exemplo, num crime de roubo, ainda que o criminoso comum aja de forma violenta causando terror às suas vítimas, não tipificaria o crime de terrorismo, pois que a finalidade do marginal é inicialmente patrimonial, ou seja, a intenção primeira é roubar algum bem da vítima e não necessariamente valer-se dessa subtração para atingir algum objetivo de ordem ideológica, religiosa, política, racista ou outra qualquer prevista em lei. A norma especial sobre terrorismo faz referências e se vale da lei ordinária, mas ainda assim são considerados “terrorismos” diferentes, daí a necessidade da norma esclarecer em que circunstâncias é um ou outro tipo de crime. A nova lei sobre terrorismo o define como sendo a prática por um ou mais indivíduos dos atos nela previstos, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública. A lei define e enumera quais são os atos considerados atos de terrorismo, quando praticados.

Pela primeira vez, a lei já foi penalmente aplicada no Brasil com rapidez e eficácia que carecia penalmente. Através da Operação Hashtag da Polícia Federal, a Justiça Federal condenou oito criminosos pelo crime de terrorismo, os quais promoveram ações terroristas praticadas pela organização terrorista Estado Islâmico, através de publicações em redes sociais, objetivando recrutar pessoas, compartilhando material extremista, para a prática de atos terroristas em território brasileiro. O líder do grupo foi condenado a uma pena de 15 anos de reclusão, com cumprimento inicial em regime fechado, refletindo o grau de periculosidade do criminoso. Outros integrantes do grupo também foram apenados conforme suas participações. Ainda que a Lei nº 13.260 de 16 de março de 2016, que trata das disposições investigatórias e processuais, reformulando o conceito de organização terrorista, não permita pagamento de fiança nos casos de terrorismo, além dos crimes de racismo, tráfico de entorpecentes, hediondos e ainda os crimes praticados por grupos armados, civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, entre outras situações legais, para os parâmetros de aplicação de pena inicial no sistema jurídico penal brasileiro, trata-se de considerável condenação, visto que a pena ultrapassa os oito anos que, em tese, permitiriam o reconhecimento dos benefícios da Lei nº 12.403 de 4 de maio de 2011, que alterou dispositivos do Código de Processo Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória e demais medidas cautelares. Medida salutar para se combater a sensação de impunidade no país. A Lei nº 13.260/16 que trata sobre terrorismo, regulamenta o art. 5º, inciso XLII da Constituição Federal que inicialmente considera como crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, o crime de terrorismo, além da prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, mais crimes os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. Segundo a CF até a omissão daquele que deveria atuar e não faz, é passível de punição. Quanto a competência de atuação do poder público, a lei dispõe que sendo os crimes de terrorismo praticados contra o interesse da União, compete à Polícia Federal a investigação criminal, através de inquérito policial, o qual deve ser remetido à Justiça Federal para o seu processamento e julgamento. Vale lembrar que a lei teve preocupação em não trazer para a tipicidade como ato de terrorismo, eventuais condutas individuais ou mesmo coletivas de pessoas vinculadas e que promovam manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, voltados à propósitos reivindicatórios, que objetivem contestar, criticar, protestar ou apoiar a defesa de direitos, garantias constitucionais. Ainda assim, nesses casos, eventuais excessos cometidos por essas pessoas podem ser responsabilizados pela legislação comum, como no caso dos crimes contra a integridade física das pessoas, crimes contra patrimônio, contra liberdade de expressão, transporte, ir e vir, enfim, todas as situações amparadas e protegidas pelo Direito. Assim, à título de exemplo, a conduta de vandalismo praticada em manifestações, pode não ter conotação de terrorismo, mas será apreciada como crime de dano pela legislação ordinária.

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O terrorismo no Brasil é uma triste realidade e a todos atinge, como atinge da mesma forma, todos os demais crimes especiais ou comuns, registrados rotineiramente no território nacional. A marcante diferença no primeiro caso de terrorismo julgado no Brasil, foi a rapidez com que se deu a persecução penal, com realização de uma investigação técnica, direcionada e circunstanciosa, produzindo material probatório suficiente para que a Justiça Federal aplicasse respectivas sanções aos criminosos. Essa atuação dos órgãos públicos federais poderia servir de modelo para balizar ações de combate ao crime em todas as esferas de poder, não só na União, mas principalmente no âmbito estadual onde os índices de criminalidade vem aumentando numa escalada vertiginosa ao longo dos anos. Sonhar com tempos mais seguros não deve ser eufemismo político.

 

TERRORISMOJOSÉ ROBERTO FERRAZ

Ex-comandante da Guarda Municipal de Jundiaí; delegado aposentado da Polícia Civil; especialista e professor de Direito Ambiental.