Na Biologia, considera-se mimetismo a capacidade que desenvolve uma espécie para se assemelhar a uma outra e com isso obter alguma tipo de vantagem, como por exemplo a proteção contra predação. Uma das diferenças apontadas entre seres humanos, ditos racionais e os animais irracionais, se é que são, é a capacidade daquele de pensar e de se autodeterminar conforme esse entendimento, agindo para o bem ou para o mal. De forma ilustrativa, usa-se o exemplo religioso de Caim que mata seu irmão Abel, como a primeira conduta criminosa registrada como referência na história da humanidade (Gêneses). A ironia é que segundo a lei dos homens, nessa situação, não haveria crime, pois que não existia norma precedente que considerasse aquela conduta praticada por Caim, um homicídio. Divagações à parte, o certo é que o crime sempre acompanhou a evolução da humanidade, indo desde os mais simples, como uma ofensa verbal (injúria) até os históricos genocídios, representados pela morte de centenas de pessoas. Hoje enfrentamos os cibercrimes.

A materialização do crime pressupõe a existência de uma autoria, de um dano ou prejuízo a outrem (vítima), e por fim as circunstâncias, diretas ou indiretas que envolvam tal conduta (vontade). Não se aprofunda aqui na discussão sob aspectos doutrinários jurídicos sobre o crime (teorias). O fato é que o ser humano sempre está a cometer crimes e vale-se de tudo aquilo que dispõe no tempo e no espaço, para tal finalidade maligna. Como instrumento do crime (material), o criminoso tem predisposição à utilização de armas, sejam próprias ou impróprias. Com o passar do tempo, esse mesmo criminoso também se atualiza na prática delituosa, acompanha o desenvolvimento tecnológico e através dessa nova ferramenta passa a utilizá-la para seus propósitos ilícitos. Surge uma nova modalidade de crime, os chamados crimes cibernéticos, também chamados de crimes virtuais, cibercrimes, praticados através do uso indevido da rede mundial de computadores. As modalidades criminosas dessa conduta se manifestam das mais variadas formas, como ameaças virtuais, racismo, fraudes, estelionatos, extorsão, sequestros, sejam diretos ou indiretos, entre outras condutas ilícitas.

A rede de informática vem sendo utilizada para práticas de crime desde a sua implantação no pós-guerra, quando da criação do primeiro computador. Desde então, esse tipo de crime tem se alastrado na mesma proporção em que a internet se populariza. Uma das causas levantadas para o aumento desse tipo de crime seria o anonimato que a prática do delito proporcionaria ao criminosos. Resultado de uma experiência psicológica da Prisão de Stanford – 1971, realizada para analisar o comportamento humano social de indivíduos voluntários numa situação de cárcere, concluiu-se que a ação realizada através de grupos inibiria a consciência de censura individual, propiciando uma certa liberdade e grau de maldade para o cometimento de crimes graves. Apesar de não ocorrer o anonimato, a violência praticada pelo grupo decorre da suposta perda de personalidade das pessoas.

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Já nos crimes cibernéticos, o criminoso age, na grande maioria dos casos, de forma individual, acreditando assim, estar no anonimato e com isso ficaria mais à vontade para o cometimento de crimes virtuais.Essa constatação de natureza subjetiva, que relaciona-se com a vontade da pessoa cometer crimes, precisa ser melhor compreendida para que medidas de prevenção e mesmo repressão desse tipo de crime sejam adotadas. Demorou e ainda falta muito conhecimento, estudo e experiências para o efetivo combate a essa modalidade criminosa no país.

A comunicação pressupõe um emissor e um receptor, podendo ser feita através de inúmeros meios que vão desde a folclórica utilização da fumaça até a atual internet. Marcante é a redução no tempo dessa comunicação, enquanto evolui a tecnologia. Hoje acontece em tempo real, ainda que os interlocutores estejam em países distantes. Essa rapidez no fluxo da informação também demonstra ser atributo a ser considerado no combate aos crimes virtuais, vez que a dificuldade na prevenção resulta na efetiva ocorrência do dano à vítima e ainda que sejam tratados posteriormente, como a recuperação do dinheiro furtado, o trauma da situação já foi assimilado e produziu algum efeito na vida da vítima. Pesquisa recente demonstra que as digitais papilares das mãos podem ser identificadas numa fotografia e utilizadas através da informática para acessar dados sigilosos dessa pessoa. É o crime inovando em detrimento da segurança e liberdade das pessoas de bem.

No Brasil, a internet passa a se popularizar a partir do final da década de 1990 e com os primeiros registros de seu uso indevido, surge a necessidade de se pensar em meios eficazes para combater praticas ilícitas com emprego dessa tecnologia. Com a criação da Secretaria de Politica de Informática nos idos de 1992, a comunicação entre pessoas passou a ser realidade, apesar de não haver ainda a possibilidade de interação como acontece atualmente, só permitindo a troca de e-mails entre cadastrados no sistema. A partir de 1995 a internet passa a ser disponibilizada comercialmente e desde então os problemas se avolumam, quanto ao registro de condutas ilícitas praticadas através dessa rede de comunicação. Enquanto não se avança na educação, vale o emprego da lei na tentativa de se disciplinar a ingerência nas comunicações feitas através da informática. É certo que a Constituição Federal assegura a liberdade de comunicação e protege o conteúdo do que vincula entre os interessados através dos meios de informática, pois que trata-se de um direito fundamental a ser considerado, porém não pode a pessoa valer-se desse direito para a prática de delitos virtuais.

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No quesito normalização do tema, a Lei nº 12.737 de 30 de novembro de 2012 alterou o Código Penal tipificando condutas realizadas mediante uso de sistema eletrônico, digital ou similares, que sejam praticadas contra sistemas informatizados e similares. Cria o crime de invasão de dispositivo informático, esteja a pessoa conectada ou não à rede de computadores. A conduta ilícita consiste na violação de segurança (senha), para obter, adulterar ou mesmo destruir dados ou informações da vítima ou ainda para instalar ferramenta de vulnerabilidade para obtenção de vantagem ilícita, como no caso dos falsos e-mails solicitando dados para uma razão fictícia, levando a pessoa a atender e com isso ter prejuízos na sua conta bancária.

Acrescido a isso a lei dispõe sobre circunstâncias que podem agravar a pena prevista pra o crime que vai de três meses a um ano, ou seja, pena irrisória para o grau de prejuízo que pode representar esse tipo de crime para as pessoas. A lei prevê que nesses crimes somente se procede a apuração com prestação processual, mediante representação do interessado vitimado pela ação, ou seja, se aquele que sofreu os prejuízos decorrentes desse tipo de crime não se manifestar para que haja investigação e eventual punição do criminoso, nada será feito. A exceção ocorrerá somente se o crime for cometido contra a administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios ou contra empresas concessionárias de serviços públicos. Importante salientar que mesmo havendo adoção de medidas de polícia judiciária, o crime será apreciado no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, cuja eventual sentença condenatória poderá ser no máximo um prestação de serviço ou pagamento de cesta básica. Já a Lei nº 12.965 de 23 de abril de 2014, regulamentada pelo Decreto nº 8.771 de 11 de maio de 2016, estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, ou seja, estabelece regras gerais e responsabilidades para o uso dessa ferramenta.

Diante da inovação criminosa, resta nos valermos do ensinamento do mimetismo dos animais e desenvolvermos fórmulas que garantam nossa incolumidade diante da enormidade de perigos representados pelos diferentes tipos de crimes virtuais.

 

CIBERCRIMEJOSÉ ROBERTO FERRAZ

Ex-comandante da Guarda Municipal de Jundiaí; delegado aposentado da Polícia Civil; especialista e professor de Direito Ambiental.