O combate ao crime comum é feito no dia-a-dia pelas forças de segurança pública, através do policiamento ostensivo preventivo e mesmo repressivo, quando das situações de flagrante delito. Para a obtenção de resultados satisfatórios é necessário o contínuo aprimoramento do trabalho policial, que precisa estar sempre à frente da estrutura criminosa, senão não avança. Já para o combate aos crimes mais complexos, graves nas suas implicações, demandam forças policiais especialmente treinada se capacitadas para combatê-los com necessária eficácia. Desconsiderado isso pelo Estado, responsável pela segurança da população, sugere prevaricação e pode representar quase pactuar com o crime e suas consequências maléficas à população. A organização criminosa estruturada ao longo do tempo se fortalece na medida que consegue se manter impune. Somente grupos especializados conseguem avançar nas investigações desses crimes. Identificar autoria criminosa, comprovar a materialidade delito e trabalhar demais circunstâncias conexas do crime exigem conhecimento específico, técnicas especiais, equipamentos adequados, entre outras medidas necessárias. Crimes complexos exigem atuação policial especializada, senão prospera a impunidade.

Exemplo disso foi o acontecido na cidade americana de Los Angeles, em fevereiro de 1997, conhecido como Batalha de North Hollywood. Somente dois bandidos, fortemente armados e preparados para o confronto, tentaram roubar uma agência bancária, naquela cidade. Planejaram o crime por meses, prevendo todas as possibilidades de invasão do banco, tempo de permanência no local, tempo máximo para prática do crime, rotas de fuga, sistemas de segurança existentes, enfim, hipóteses previamente estudadas que lhes dava certa garantia de sucesso na empreitada criminosa. Porém, sendo flagrados por policiais no início do ataque, começou um enorme tiroteio entre eles e os agentes de segurança. Por estarem mais fortemente armados, com fuzis e munição alterada para ser mais letal, conseguiram manter intenso confronto com os policiais, transformando o local numa praça de guerra. Resistiram de forma violenta conseguindo ferir vários policiais. Causaram efetivo danos contra viaturas, veículos, casas, entre outros bens móveis e imóveis. Vários cidadãos também foram atingidos por balas perdidas, ainda que não estivessem na cidade do Rio de Janeiro. A situação de guerra só foi controlada e os bandidos mortos, com achegada do grupo especial da polícia, que estando melhor treinado e armado, conseguiu restaurar a ordem na cidade. O evento foi tão desproporcional para a época, que foi transformado em filme, além de ser considerado relevante material de estudo, pesquisa e fonte para treinamento tático operacional de forças de segurança, visando aprimorar técnicas operacionais e de inteligência para enfrentamento do crime.

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Vontade política é elemento essencial para que medidas eficazes sejam ou não adotadas para combater qualquer tipo de crime, principalmente aqueles considerados mais complexos e graves para o país. No Estado de São Paulo, por volta de 2009, houve uma onda de roubos em condomínios horizontais e mesmo verticais, com grande repercussão na mídia. Apesar de não existir considerável complexidade na elucidação desse tipo de crime, houve ferrenha cobrança por parte de condôminos, para que o Estado apresentasse soluções. Por vontade política à época, foi criado um programa especial de combate aos crimes de roubos em condomínios, envolvendo as Polícias Civil e Militar, além da Polícia Científica. O programa foi estabelecido através da Resolução SSP nº 240 de 05 de outubro de 2009. Dispunha sobre procedimentos de polícia judiciária, polícia ostensiva e perícias, com coleta de dados estatísticos para análise de resultado e aprimoramento de ações futuras. O programa resultou até na edição de um documento de Recomendações de Segurança para esse público-alvo em condomínios. Ao longo do tempo, resultado da experiência acumulada nas investigações realizadas por grupos próprios de policiais, surgiram resultados positivos e o tipo de crime teve queda considerada. A mesma situação aconteceu em relação aos sequestros ocorridos no Estado. Com estratégias especialmente direcionadas ao combate desse tipo de crime, com atuação de grupos policiais bem treinados e especializados, mais a atuação conjunta de outros órgãos públicos, também foram registrados resultados positivos na queda dos crimes de sequestro no estado. Ainda hoje, permanece em atividade o Grupo Antissequestro da Polícia Civil, com alto índice de esclarecimentos nesses crimes graves. A complexidade na investigação de sequestros exige profissionais especialmente treinados e habilitados para agir, sob pena de colocar em risco a vida da vítima desse tipo de crime. Outros grupos de policiais especializados, conforme o tipo de crime a ser investigado, integram o Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa – DHPP, divididos cada um em uma Delegacia Especializada. Desconsiderada a defasagem de efetivo, questões salariais, de equipamentos, entre outras, a atuação desses grupos têm demonstrado melhores resultados no combate ao crime, conforme a especialidade de cada um, devido a especialidade que cada um adquiriu nos trabalhos realizados.

Após a edição da Lei nº 9.605/98, que dispõe sobre crimes e infrações contra o meio ambiente, foi criado em 2008 um grupo especial do Ministério Público Estadual, somente para atuar nas questões ambientais, dada a complexidade das demandas. As situações criminosas mais complexas, como degradações causadas por grandes empresas, poluição qualificada extrapolando territórios dos municípios, exploração imobiliária atingindo áreas protegidas, enfim, situações que careciam de uma atuação mais especializada por parte do Poder Público. O grupo especial foi criado pela Procuradoria Geral de Justiça, através do Ato Normativo nº 552 – PGJ, de 4 de setembro de 2008, sendo denominado de Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente – GAEMA. Para reforçar a sua atuação, também foi criada uma Rede de Atuação Protetiva do Meio Ambiente, possibilitando aos promotores de justiça a obtenção de melhores resultados na identificação, prevenção e repressão de atividades causadoras de degradação ambiental no estado. A especialidade de atuação se aprimora a cada crime esclarecido, com a responsabilização do autor, refletindo na inibição de novas condutas.

A questão que fica é por que não se adota o mesmo critério de especialidade para todos os crimes, já que resultados efetivos foram obtidos naqueles que tiveram atenção especial? A resposta, de sempre: falta de vontade política. No mundo policial brasileiro, quando se pensava que a Polícia Federal caminhava para uma independência funcional de atuação no combate aos crimes mais graves, como os de corrupção, vem a desestruturação de um dos mais eficazes grupos de policiais federais no Estado do Paraná de combate a corrupção no país, envolvendo empresários, políticos e por aí vai.

Em Brasília, na contramão do que é preciso ser feito, o Governo Federal extingue esse grupo de policiais federais especialmente criado para atuar nos crimes envolvendo a Petrobrás, relacionados a Operação Lava Jato. Obviamente, o governo e a própria instituição Polícia Federal, negaram que a extinção do grupo especial teve influência política, alegando que não haverá reflexos negativos para a continuidade dos trabalhos de polícia judiciária, realizados até então de forma exemplar. Estranho seria se afirmassem ao contrário. Os integrantes do grupo, entre agentes de Delegados de Polícia, foram integrados à Delegacia de Combate à Corrupção. Vale lembrar que o sucesso das investigações desse grupo especial também se deve a conjunção de forças com outros órgãos públicos, para um mesmo objetivo: investigar crimes gravíssimos, envolvendo pessoas poderosas do setor privado e altas autoridades do Poder Público. A atuação conjunta entre a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e a Receita Federal, por certo permitiu e permite que resultados mais concretos fossem e sejam obtidos na investigação de crimes complexos. Em 1998, o Brasil, dando continuidade a compromissos internacionais assumidos a partir da assinatura da Convenção de Viena de 1988, aprovou, com base na respectiva Exposição de Motivos, a Lei de Lavagem de Dinheiro ou Lei nº 9.613, de 03 de março de 1998, posteriormente alterada pela Lei nº 10.467, de 11 de junho de 2002. Essa lei tipifica o crime de “Lavagem” de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores, no que se refere a atos com propósito de legalização de recursos provenientes dos crimes antecedentes previstos na mesma. Essa lei é ferramenta essencial para desvendar crimes envolvendo o sistema financeiro nacional. Aplicá-la para fins de investigação policial requer conhecimento detalhado do seu regramento, além de exigir integração com outros órgãos específicos, como no caso do Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, entre outros. Essa integração de ações somente é possível se houver rotina de trabalho voltada para mesma finalidade, mesma metodologia, utilização recíproca de recursos, acesso às informações bancárias sigilosas, planejamento na execução dos trabalhos, ou seja, toda uma parafernália de ações que somente são possíveis de serem executadas se houver unidade de açõesentre os atores envolvidos na missão.

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Com a dissolução do grupo tudo isso se perde. Realmente, não se pode dizer que houve expressa vontade política diretamente direcionada para a extinção do grupo de policiais, tendo sido até negada pelo governo. Não importa se o motivo da extinção do grupo especial da policial federal com atuação na Operação Lava Jato teve ou não motivação política, pois que a simples dissolução do grupo já representa diferencial negativo à missão que lhes cabia, seguir o dinheiro desviado para investigar altos corruptos no país. O certo é que essa situação produzirá efeitos contrários ao interesse público e negar isso é afrontar a inteligência do povo brasileiro. (foto acima: Fernando Frazão/Agência Brasil)


COMPLEXOJOSÉ ROBERTO FERRAZ

Ex-comandante da Guarda Municipal de Jundiaí; delegado aposentado da Polícia Civil; especialista e professor de Direito Ambiental.