É preciso entender a violência para não ser mais uma VÍTIMA

Segundo definição geral, a palavra vítima indica um ser humano ou animal sacrificado a uma divindade ou em algum rito sagrado ou ainda, pessoa ferida, violentada, torturada, assassinada ou executada por outra. Já a Organização das Nações Unidas, através sua Assembleia Geral publica a Resolução nº 40/34, aprovada em 29 de novembro de 1985, traz dentro da Declaração sobre os Princípios de Justiça para as Vítimas de Delitos e do Abuso de Poder, a definição de “vítima” mais voltada à violência em geral. Essa Resolução designa pessoas que, individual ou coletivamente, tenham sofrido um dano físico ou mental, um sofrimento emocional, um prejuízo econômico ou um atentado importante aos seus direitos fundamentais, em razão de atos ou omissões que violem as leis penais em vigor nos Estados Membros, incluindo as leis que criminalizam o abuso de poder. Como definição jurídica, vítima é o sujeito passivo da ação criminosa, ou seja, aquela que sofre os efeitos maléficos dos atos ilícitos praticados pelo sujeito ativo, seja ele o autor, o co-autor ou mesmo o partícipe de um crime. De uma forma geral, pode-se considerar que dentro da complexidade da violência, a vítima sofre um prejuízo provocado por alguém que deve ser responsabilizado pelos seus atos.

O cidadão, vítima de roubo, tem o direito de exigir do Estado que o criminoso seja preso e condenado, como medida de justiça, além de ter ainda o direito de ser ressarcido no prejuízo sofrido, seja pelo próprio criminoso ou pelo Poder Público. Essa obrigação do Estado indenizar é gerada pela sua responsabilidade objetiva em proporcionar segurança pública à população. Ocorre que o Estado sempre alega que fez o que podia enquanto a vítima não se preocupou em prevenir do crime. Daí surge a questão: qual o papel da vítima nesse imbróglio todo? Teria ela participado de alguma forma, direta ou indiretamente, para que essa violência se materializasse em seu desfavor? Ainda que não consolidado pelo Direito Penal contemporâneo, a ciência da vitimologia vem se sedimentando no nosso ordenamento jurídico, trazendo algumas proposições para equacionar a questão. Tentar entender a violência e dessa forma não ser vitimado, pode ajudar a evitar que esse mal avassalador da humanidade continue dizimando tantos inocentes. A banalização da violência pode concorrer para a impunidade. Perder a vida num roubo de celular é algo assustador.

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Concordar que a violência é inerente ao ser humano, pode padecer de comprovação convincente. Há correntes de pensamento que discordam que a humanidade é e sempre foi violenta. A busca de poder e sua perpetuação só é possível enquanto houver garantias de sua manutenção. Ainda assim, sempre haverá alguém mais poderoso que o maior deles e disso tudo resulta a violência que sempre vincula um tipo de vítima. A Organização Mundial da Saúde define violência como sendo o uso intencional de força física ou poder, ameaçados ou reais, contra si mesmo, contra outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade, que resultem ou tenham grande probabilidade de resultar em ferimento, morte, dano psicológico, mau desenvolvimento ou privação. No Brasil, a Lei nº 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha, que completou 11 anos de publicação no dia 7 desse mês, traz algumas formas de violência contra a mulher, mas que podem vincular qualquer tipo de vítima. E temos violência de todas as formas e para todos os gostos: violência física, psicológica, institucional, intrafamiliar, moral, sexual, patrimonial, entre outras. Na história do Direito, numa busca tentativa de se encontrar mecanismos de combate a esse estado de violência, quase sempre prevaleceu o encaminhamento de apurações no campo jurídico, direcionando atenção ao tipo de delito, ao perfil do criminoso e ao tipo de punição, como garantia de que o crime não se repetiria. O foco de estudos nesses três indicadores – delito, delinquente e pena, deixou que se trouxesse juridicamente à consideração, qual o papel que caberia à vítima atingida pela violência? Buscando explicar esse tipo de comportamento humano, surge os primeiros estudos sobre vitimologia, a partir do pós-guerra, por volta de 1946, trazendo as primeiras considerações para identificar o perfil da vítima e suas possíveis eventuais influencias na ocorrência do crime.

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A título de exemplo, um casal de namorados em um veículo estacionado em local ermo, altas horas da noite, abordados e molestados por criminosos, teriam algum tipo de participação direta ou indireta, para a materialização do crime? Ainda que estivessem em local e horário inadequado, teriam o direito de ser protegidos pelo Estado? Enfim, tais considerações levam a necessidade de ser trazida também para o estudo da violência, aspectos subjetivos ligados à própria vítima, já que sob o aspecto jurídico penal é certo que são consideradas sujeitos passivos dos crimes enumerados. O difícil é fazer essas vítimas entenderem a situação sob outro ângulo, ou seja, que podem se transformar em vítimas em qualquer momento e que mundo pode não ser maravilhoso e seguro como imaginam. De qualquer forma, num primeiro momento, trabalhar a subjetividade da vítima de forma que ela adote comportamento de prevenção à criminalidade, pode ser medida salutar para evitar que ocorram tantas tragédias dizimando pessoas. Orientações da polícia no sentido de como a vítima deve se comportar para não ser vítima, tem sido entregue à população em vários momentos. Lembrando que para cometer crimes, o bandido tem as melhores opções de ataque a seu favor, quais sejam: o elemento surpresa, a oportunidade, desconsideração com a norma, leis brandas, impunidade e por aí vai.

Na responsabilização dos crimes, o Direito Penal sempre teve preocupação direcionada para a punibilidade do autor, tendo pouco ou quase nenhuma consideração em relação ao papel da vítima, salvo o de fornecer dados sobre o crime e criminoso, quando da investigação policial. A subjetividade do agente criminoso na prática delituosa, seja por intenção (dolo) ou sem intenção (culpa), tem recebido prioridade na apuração do delito e dosimetria da pena, conforme disposto na legislação penal de 1948. A Resolução nº 40/34 da ONU, também faz menção sobre a necessidade de a vítima ser ressarcida pelo seu agressor ou pelo Estado, quando os bens daquele não forem suficientes para compensar o prejuízo sofrido por aquela. Apesar da Constituição Federal de 1988 ter trazido mandamento legal de que o Estado deve dar assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crimes dolosos (intencionais), mesmo sem prejuízo da responsabilidade civil do criminoso. Tal situação ainda foi regulamentada por lei infraconstitucional, mas tem servido de base para requerer indenizações aos Estados, quanto a vítimas de crimes graves. Avançando na preocupação que merece a vítima, em 1995, com a criação dos Juizados Especiais Criminais, dispondo sobre os crimes de menor potencial ofensivo, também possibilitou que as vítimas tivessem seus prejuízos compensados pelo autor do delito. Essa compensação ficando à critério da vítima, deu-lhe mais poder de decidir sobre o destino do criminoso. Além dessas previsões legais na esfera criminal, ainda resta à vítima buscar ressarcimento dos seus prejuízos na esfera cível. Ainda que o criminoso seja quase sempre insolvente, ou seja, não tenha dinheiro para pagar o dano por ele provocado, pode essa questão ser levada à cobrança do Estado, atendidos alguns requisitos legais. De tal sorte que à vítima fica o direito de buscar o ressarcimento dos seus prejuízos, resultado de crimes.

Dentre o caos de violência que permeia a sociedade, o melhor mesmo é não estar na condição de vítima. Atentar para uma mudança de comportamento no cotidiano, para uma postura mais preventiva, pode auxiliar na prevenção do crime. Porém, isso não sendo possível é importante que a vítima tenha ciência dos seus direitos e busque ser ressarcida dos seus prejuízos. (foto acima: rochaalencar.blogspot.com.br)


VÍTIMAJOSÉ ROBERTO FERRAZ

Ex-comandante da Guarda Municipal de Jundiaí; delegado aposentado da Polícia Civil; especialista e professor de Direito Ambiental.