No século III a.C., lançar um balão de ar quente na atmosfera era novidade considerada como um evento lúdico, para aqueles tempos. Atualmente, conforme dispõe nossa legislação pátria, praticar a mesma conduta é considerado, definitivamente, um crime contra o Meio Ambiente, portanto um crime ambiental. O balão que se projeta na atmosfera em razão da expansão do ar quente em seu interior, também é definido como sendo um tipo de aeróstato. Estudos aeronáuticos trazem essa definição para qualquer tipo de aeronave, inclusive os balões de ar quente. Segundo o Dicionário Aurélio, define-se balão como sendo: “Artefato de papel fino, colado de maneira que imite formas variadas, o qual se lança ao ar durante as festas juninas, e sobe por força do ar quente produzido em seu interior por buchas amarradas a uma ou mais bocas de arame.” Tal definição não mensurou ou detalhou sobre tamanhos do artefato.

Segundo registros históricos (Needham, 1900), as primeiras experiências informais envolvendo balão de ar quente teriam surgido na Região da atual Ásia, por volta do Século III, a.C., época em que os chineses já fabricavam os primeiros artefatos desse tipo (lanterninhas). Mais adiante, um estrategista militar chinês, conhecido como Kongming, teria se valido de um balão para pedir socorro, pois que encontrava-se cercado pelo inimigo. Consta ainda que esses balões também teriam sido utilizados pelos mongóis nas batalhas que travavam à época, como ferramenta de mensagens entre tropas amigas distantes. Não constam registros, mas certamente o grande guerreiro mongol Gengis Khan, morto em 1227, poderia ter se valido de balões como ferramenta de comunicação entre seus comandados. Os balões também teriam sido utilizados como adorno em festas juninas, entre a Região da Birmânia e a Província Chinesa de Yunnan, atual Myanmarem continente Asiático. Essa constatação pode ser a origem da influência dos balões difundidos nas nossas festas juninas, onde os balões de pequeno porte, chamados de lanterninhas, se intensificaram ao longo do tempo como manifestações culturais folclóricas típicas. No filme “As Crianças de Huang Shi”, contando a história do jornalista britânico, que conduz sessenta órfãos através do território chinês, por volta de 1937, fugindo do serviço militar obrigatório, são soltos pequenos balões tipo lanterninhas, simbolizando a morte de alguns integrantes do grupo. Nesse caso, os pequenos balões se transformaram em simbologia de respeito aos que morreram e sentimento de acalento pelas perdas sofridas, aos que sobreviveram. Até esse momento, pode-se considerar que o balão, tido como artefato mais leve que o ar, tinha utilidade como ferramenta de mensagem e de adorno de festas. O certo é que de lá pra cá, o balão de ar quente propiciou o início de estudos e pesquisas mais detalhadas e específicas para a ciência aeronáutica desvendar a possibilidade de uma corpo mais pesado que o ar, poder elevar-se na atmosfera. Porém, sua utilização passa por relevantes transformações históricas. Tanto na Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), quanto na Segunda (1939 – 1945), o emprego do balão já havia se incorporado como ferramenta estratégica militar de defesa. Artefatos inflados com gases especiais, alguns carregados com explosivos, eram amarrados em topos de prédios, em navios porta-aviões, através de longos cabos como finalidade de defesa contra ataque aéreo. O artefato ao colidir com os aviões provocava sérios danos e consequente queda das aeronaves inimigas, demonstrando ser eficiente arma de guerra, quando utilizado para tal finalidade defensiva bélica.Se naquela época os balões ajudavam na defesa das forças americanas na guerra, atualmente representam grande perigo para a aviação comercial. Em 2016, segundo divulgação da Associação Brasileira de Pilotos, foram registradas mais de 300 ocorrências envolvendo a proximidade de balões nas atividades da aviação comercial nos principais aeroportos nacionais e internacionais existentes no país. O Brasil teve rebaixamento do seu espaço aéreo pela Federação Internacional de Associações de Pilotos de Linha Aérea, para a condição de criticamente deficiente, simbolizado por estrela preta, em razão do risco baloeiro. Lembrando que os grandes balões soltos atualmente pelos ares brasileiros, também carregam considerável carga de artefatos pirotécnicos de rastro luminoso, popularmente conhecidos como bombas, rojões.

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Das chamadas lanterninhas, primeiros pequenos balões usados em festas e comemorações, evoluiu-se para grandes e perigosos artefatos que atualmente chegam a ter largura de mais de cinco metros de bandeira, com altura de mais de 10 metros. Esses artefatos representam grande situação de risco para o meio ambiente, podendo prejudicar ainda o patrimônio alheio e a integridade física das pessoas, causando inclusive mortes. Inúmeros casos ocorridos e registrados pela mídia em geral tem confirmado essa caótica situação causada pelos enormes balões soltos país afora. Nesse contexto, surgem correntes de opinião favoráveis à soltura de balões movidos por ar quente, e aqueles desfavoráveis a tal prática criminosa. Os primeiros alegam que a soltura de enormes e perigosos balões são simples manifestações artísticas e culturais do nosso folclore brasileiro. É preciso detalhar o tema mais a fundo para que num eventual acontecimento de tragédia decorrente da soltura de balões, sejam as responsabilidades imputadas à aqueles que deram causa, o chamado nexo causal.

Para aqueles que se declaram favoráveis a prática de soltura de balões, invocam de forma equivocada o enunciado na Constituição Federal de 1988, que realmente estabelece assegurar, através do Estado, o pleno exercício dos direitos culturais, bem como o acesso às fontes de cultura, devendo ainda apoiar e incentivar a valorização e difusão de manifestações culturais. Dessa forma, entendem essas pessoas que a soltura de balões nada mais é do que uma arte, uma manifestação cultural e portanto, protegida pela Lei Maior. Alguns grupos de baloeiros, que têm na sua formação estrutural até representantes legais, têm se valido de fundamentações completamente distorcidas da realidade do mundo jurídico, promovendo questionamentos em Juízo contra a criminalização da soltura de balões. Discordam que seja crime, ainda que tal conduta esteja tipificada em Lei especial e que represente real perigo de dano ao meio ambiente e para a integridade física e patrimonial de terceiros. Entendem que por se tratar de uma arte, deve ser descriminalizada. Nesse sentido, a preocupação se materializa quando se sabe da reputação não tão salutar do nosso Congresso Nacional que, à título de exemplo, agiu de forma contrária ao que determinou o Supremo Tribunal Federal, criando normas abusivas que legalizaram a infame “vaquejada”, conforme últimas tramitações. O Projeto de Lei sobre essa pretensão descabida, foi transformado na Lei nº 13.364 de 29 de novembro de 2016, elevando não só a vaquejada, mas o rodeio e qualquer outro tipo de expressões artístico-culturais, à condição de manifestação cultural nacional e de patrimônio cultural imaterial. Em outras palavras, tamanha é a sensação de impunidade declarada entre os grupos que atuam hoje na soltura de balões pelo país, que corre-se o risco de mais à frente, também essa prática criminosa ser elevada à condição de manifestação cultural nacional, com a transformação da soltura de balão em patrimônio cultural imaterial, como o foi a famigerada “vaquejada”. Talvez a hipótese da queda de um enorme balão caindo sobre o Congresso Nacional, queimando tudo por lá, representasse medida para conscientizar nossos parlamentares. A possibilidade de transformar a soltura de balões em atividade artística cultural é tão previsível que a Associação Brasileira de Baloeiros, buscando tal objetivo, elaborou um documento denominado de “Argumentação Técnico-científica em prol da Regulamentação das Atividades Relacionadas à Cultura do balão de papel no Brasil”. O texto devidamente formatado encontra-se publicado no site: http://www.sabrio.org.br/wp-content/uploads/2013/05/regulamentacao_balao_papel_v2.pdf.Cai, cai, balão, por lá.

O combate a essa prática criminosa é um paradoxo na atividade de polícia judiciária. Se por um lado o crime deve ser investigado buscando identificar autoria, materialidade e demais circunstâncias legais, por outro lado já foram encontrados e identificados, dentro do próprio grupo de baloeiros, agentes públicos cometendo o crime ambiental, os quais também defendem como sendo lícita, a prática de soltura criminosa de balões. Nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba, conforme últimos levantamentos realizados através das redes sociais, se concentram os maiores e mais organizados grupos de baloeiros, legalmente organizados em associações. É comum alguns integrantes se identificarem como ex-agentes públicos, sejam civis ou mesmo militares. No Rio de Janeiro é notório a existência e atuação de grupo formado por ex-integrantes da Aeronáutica, que inclusive, defendem a prática do crime e se rebelam contra a imposição da lei, defendendo a atividade ilegal por eles praticada. Outra situação também registrada ocorre em relação aos moradores vizinhos daqueles que fabricam, guardam ou soltam balões. Apesar de terem esses conhecimentos sobre tais situações, não colaboram em denunciar o crime, pois que também são simpatizantes da atividade delituosa, dissimulam conhecimento do fato, despistando o avanço da investigação policial na produção de provas testemunhais e materiais. Não se trata de receio de retaliações, mas de colaboração indireta no exaurimento do crime ambiental. O apoio popular da ação delituosa dificulta a atuação do poder público e enfraquece medidas de contenção eventualmente adotadas.

 

É sabido que um dos objetivos desses grupos de baloeiros é soltar o maior balão, que atinja o mais alto no ar e para isso realizam verdadeiras competições entre grupos e associações. Tudo representa custo e para isso também estão preparados, pois que detém certo poder aquisitivo. O material para a fabricação do artefato é delicado e carece de certa perícia na sua construção, como na realização das soldas da ferragem da boca do balão, chamada de “cangalha”, que deve ser precisa e leve para fixar a tocha. O material inflamável e contínuo dessa tocha deve produzir chama e calor suficiente para impulsionar o balão para a atmosfera. Cada grupo de baloeiro, verdadeiras organizações criminosas, quase sempre tem sua marca registrada no artefato, seja através de escritos alfanuméricos, seja através de desenhos e/ou caricaturas próprias do grupo. São detalhes que podem possibilitar a identificação dos autores do crime. As redes sociais representam e contem vasto material que podem auxiliar nesse sentido. Apesar desses grupos serem sistematicamente organizados, com estrutura dividida conforme tipos de atuação, com nítida divisão de trabalhos, para a prática do crime de soltura de balões e outros, conforme o caso, tal situação não tem sido considerada como crime de formação de bando ou quadrilha, previsto no art. 288 do Código Penal e nem como crime previsto nos regramentos da Lei nº 12.850 de 2 de agosto de 2013, que dispõe sobre organizações criminosas, que cuida da associação de três ou mais pessoas para a prática continuada de crimes. Talvez fosse o caso de repensar essas possibilidades, antes que tragédias venham a efetivamente ocorrer.

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O crime de soltura de balões está definido na Lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998. Não só a conduta de soltar, mas também as condutas de fabricar, transportar e vender tipificam o delito que prevê uma pena que vai de um a três anos de detenção, além de multa. Por ser considerado um crime de perigo, se quando da soltura do balão provocar incêndio em floresta e demais formas de vegetação, ou ainda provocar danos em áreas urbanas ou em qualquer outro tipo de assentamento humano, será mero exaurimento do crime, pois que as condutas anteriores realizadas já tipificaram o delito. O delito também exige que o artefato seja comprovadamente eficaz, através de laudos periciais, para produzir resultados danosos ao meio ambiente, caso contrário poderá não haver crime. Por tratar-se de crime afiançável na fase de polícia judiciária, mesmo havendo a prisão em flagrante delito, deverá ser arbitrada fiança em benefício dos indiciados que responderão pelo crime em liberdade. Os grupos de baloeiros já têm conhecimento dos valores mínimos e máximos das multas e quase sempre estão preparados para fazer o pagamento em espécie, nas prisões em flagrante delito. Mesmo havendo condenação, essa não deve ultrapassar os dois anos de detenção o que pode resultar na transformação da pena de prisão em pena restritiva de direitos ou pena de pagamento de multa, salvo ocorrência mais grave, como morte de pessoas em razão do fato. Ficam sujeitos à punição legal o autor, o coautor ou o partícipe, desde que as suas condutas estejam vinculadas ao referido crime ambiental. O crime só pode ocorrer na forma dolosa, ou seja, com intenção do agente em praticar os atos descritos na norma. Assim, inexiste o crime na forma culposa, seja por negligência, imprudência ou mesmo imperícia. Controversa na jurisprudência é a situação daquele que é flagrado resgatando o balão, quando ele já foi solto. Apesar da conduta de resgatar balão não estar tipificada no delito, é comum que os baloeiros registrem os preparativos e a própria soltura do balão através de filmagens, fotos e outros recursos audiovisuais. Aquele que eventualmente tenha participado na soltura do artefato e após se propõe a resgatá-lo, havendo comprovação das ações distintas praticadas, poderá ser responsabilizado criminalmente pela soltura, mas não preso em flagrante pelo resgate, salvo melhor juízo. Portanto, confirmada através de gravação a presença do autor na soltura e também no resgate do balão, esse registro filmado será considerado prova da participação do agente em momentos distintos do crime, passível de imputação penal, ainda que quando do resgate o balão esteja com a tocha apagada, ineficaz para causar dano. Por outro lado, conforme alguns julgados, aquele que somente filma a soltura do balão, sem participar diretamente da soltura, em tese, não comete o crime ambiental, por atipicidade de conduta. Outra situação também controversa nos Tribunais é a questão daquele que é flagrado em local onde se encontram os artefatos já montados ou em fase de fabricação, sem que tenha sido flagrado no exato momento manuseando o material. A conduta de guardar, ter em depósito, esconder, etc., o artefato em questão, não está descrita na norma como conduta criminosa. Daí não haveria o crime, também por atipicidade do fato. Contrário sensu, em alguns julgados, mesmo nesses casos, há entendimento jurisprudencial de que apesar do agente não ter sido flagrado fabricando o balão, sugere que ele o tenha feito até aquele momento e dessa forma subsistindo o crime cabe-lhe imputação. Importante salientar que a prática de soltura de balões não só é considerada crime como também infração administrativa ambiental. No Estado de São Paulo, a Resolução nº 37 de 09 de dezembro de 2005, no seu artigo 46, dispõe que fabricar, vender, transportar ou soltar balões que possam causar incêndios nas florestas e demais formas de vegetação, além de áreas urbanas e assentamentos humanos, tipifica infração administrativa, sujeitando o autor a uma sanção de multa, prevendo ainda a destruição do balão e a reparação dos danos causados pelo fogo. Não obstante o crime ambiental de soltar balões seja considerado crime especial, ele pode vincular outros crimes no chamado concurso material descrito no Código Penal. Ocorre quando o agente mediante mais de uma conduta, pratica dois ou mais crimes idênticos ou não. Nesses casos ao responsabilizar o autor dos crimes, o juiz aplica a soma das penas previstas para cada um dos tipos penais. É o que pode ocorrer quando o agente pratica a soltura do balão, depois sai para resgatá-lo e invade uma residência – pratica o crime de invasão de domicilio; ou porta uma arma de fogo sem registro e autorização para o porte – pratica o crime de porte ilegal de arma; ou danifica o imóvel para resgatar o balão – pratica o crime de dano material; ou quando trafega sem habilitação ou infringindo regras de trânsito atropelando pessoas – pratica o crime de lesão corporal culposa ou dolosa; ou expondo a perigo aeronave colocando em risco de acidentes aeroviários – pratica o crime do art. 261 do Código Penal, entre outras condutas criminosas rotineiramente registradas nas Delegacias de Polícia.De qualquer forma, a lei é branda na punição do crime ambiental e certamente contribui para a reiterada prática criminosa, gerando insegurança e promovendo diretamente a sensação de impunidade.

Deixadas as controvérsias de lado, o correto é que enquanto não houver efetiva revogação tácita ou mesmo expressa da atual Lei Ambiental que criminaliza a soltura, a fabricação, o transporte e a venda de balão, que efetivamente possa causar danos ambientais, aquele que praticar tais condutas será responsabilizado e apenado pelo crime ambiental descrito no artigo 42 da Lei nº 9.605/98. Atualmente, soltar um balão na atmosfera que possa causar uma infinidade de danos ao meio ambiente e a terceiros, está longe de ser considerada uma atividade lúdica, muito menos uma manifestação artística e cultural. (foto acima: Luiz Morier/GERJ/Fotos Públicas)

 

CRIME AMBIENTALJOSÉ ROBERTO FERRAZ

Ex-comandante da Guarda Municipal de Jundiaí; delegado aposentado da Polícia Civil; especialista e professor de Direito Ambiental.