A grande questão que surge quando da ocorrência de uma infração penal é a seguinte: quem é o responsável pelo prejuízo sofrido pela vítima? A quem recorrer e cobrar soluções? Com a ofensa, a violação de um bem especialmente protegido (vida – patrimônio – honra, etc), alguém tem que prestar atendimento necessário, senão para desfazer o que aconteceu, mas para amenizar os efeitos traumatizantes do fato ocorrido. Melhor seria se não houvesse o crime, que toda a sociedade tivesse uma vida de paz, de harmonia e que o Estado não precisasse intervir para manutenção da ordem pública, seja prevenindo ou mesmo reprimindo atos ilícitos. Conforme a filosofia, ainda que a violência talvez não seja inerente à condição humana, a questão precisa ser abordada para que soluções sejam trazidas à população carente de segurança pública. No mundo policial costuma-se registrar que a vítima de um crime não perde o que tenha sido objeto da violência do bandido, mas ganha um trauma para o resto da sua vida em razão dessa violência sofrida. Conforme dados estatísticos da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, nos últimos quatro ou cinco anos vem crescendo os números de crimes contra o patrimônio, ainda que tenha havido redução, segundo a mesma estatística, no índice de homicídios por cem mil habitantes.

A segurança pública no Brasil tem sua primeira regulamentação na Constituição Federal de 1988, mais precisamente no art. 144 do capítulo III, atribuindo ao Estado o dever, a responsabilidade, a obrigação de zelar pela segurança da população. A referência à nomenclatura Estado abrange tanto a União, quanto os Estados federados, o Distrito Federal e os Municípios, aos quais são conferidas diferentes formas de competências no agir contra a violência e a criminalidade. Dever não é faculdade, ou seja, deverá ter O Estado, atuação eficaz nos resultados contra o crime, podendo acarretar responsabilidades pelo não cumprimento desse dever constitucional. Dessa forma, o Estado tem o dever de propiciar segurança à população, a qual tem esse direito. No mesmo artigo a CF também dispõe que a segurança pública é responsabilidade de todos, onde cada um pode colaborar com o Estado nessa empreitada de se combater a violência e a criminalidade. Vale lembrar que o termo violência é mais abrangente enquanto o crime é aquele definido pela lei. À União cabe o combate aos crimes federalizados, onde o bem ou interesse seja federal. Cabe aos Estados combater a criminalidade em geral, os chamados crimes comuns previstos no Código Penal e legislação especial. Aos municípios cabe atuação de forma supletiva à da União e dos Estados, atuando na prevenção primária do crime.

Para melhor compreender qual o papel de cada um desses atores, pode-se considerar que a violência e a criminalidade é dividida em três níveis ou fases de ocorrência, a saber:

1 – Prevenção Primária – nesse primeiro nível, temos a atuação do Município, que através do seu poder de policia administrativo (não poder de policia de segurança pública), deve atuar prevenindo atos ilícitos, com adoção de ações próprias de posturas públicas, como no caso da fiscalização de comércio, de transito, de uso de espaço público, meio ambiente, entre outras. O papel das Guardas Municipais tem considerável relevância nesses objetivos, em razão da estrutura que essas Com o advento da Lei nº 13.022/14 que dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais, norma ainda não regulamentada, os Municípios passam a absorver ainda mais responsabilidade em atuar na segurança pública municipal, mesmo de forma supletiva à ação dos agentes de segurança do Estado. Trabalhar a prevenção do crime é mais salutar que a sua repressão, pois que nesta os efeitos do crime já se materializaram nos danos, nos prejuízos, nos sofrimentos das vítimas, enquanto naquele tudo isso poderia ser evitado.

2 – Prevenção secundária e repressão – nesse nível atua o Estado através de seus agentes de segurança (policias militares e policias civis estaduais) de forma a prevenir o crime e em ocorrendo o delito, deve atuar na sua repressão, combatendo-o de forma mais direta, nos enfrentamentos quando necessários, de forma a garantir a ordem e paz social. A forma de atuação do estado nessa fase se dá especialmente através do policiamento ostensivo feitos pelos seus agentes, os quais ao se depararem com situações de flagrantes, podem atuar de forma mais energética a conter o criminoso. Nessa forma de policiamento procura-se evitar que o crime aconteça e se acontecer prestar devida atenção conforme o caso. Essa prevenção secundária difere da prevenção primária, pois que essa é voltada somente para os casos criminais enquanto aquela para as situações em geral que possam redundar em alguma forma de violência ou crime. Na repressão, o crime já ocorreu e seus efeitos já se materializaram no mundo exterior, havendo a necessidade de se identificar sua autoria, as circunstancias em que ocorreu, bem como sua materialidade, de forma a restabelecer a paz social, evitando com isso a impunibilidade que tanto assola o país.

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3 – Punibilidade – nesta fase o Estado, através de seus órgãos públicos de justiça (Ministério Público, Judiciário, Defensoria) deve responsabilizar o autor do crime como forma de prestar contas à sociedade punindo o infrator, resguardado o seu direito a ampla defesa e ao contraditório. Dentro do Estado Democrático e de Direito, somente o Estado tem o poder de punir, de responsabilizar aquele que ofendeu a ordem pública. Vale lembrar que é crime fazer justiça pelas próprias mãos, por mais revoltante que seja o crime cometido.

Através dessas breves considerações resta indicar que cabe ao Estado de uma forma geral, atuar no combate da violência e da criminalidade, pois que tem o dever de fazê-lo, sob pena, inclusive de ser responsabilizado por ações indenizatórias. É preciso saber cobrar o direito e cobrá-lo sempre.

DR. FERRAZJOSÉ ROBERTO FERRAZ

Ex-comandante da Guarda Municipal de Jundiaí; delegado aposentado da Polícia Civil; especialista e professor de Direito Ambiental.