Conforme recente divulgação na mídia, cresceu o número de aquisições de armas de fogo no Brasil entre 2016 e 2017, em comparação com anos anteriores. As armas teriam sido adquiridas por atiradores, caçadores e colecionadores registrados, na sua grande maioria. A burocracia para a aquisição legal de uma arma de fogo pelo cidadão comum, junto à Polícia Federal, teria levado o interessado a adquiri-la como comprador especial, estando vinculado a um clube de tiro, através do Ministério do Exército. Isso hipoteticamente considerado, face inexistência pesquisa de dados concretos, até se justifica, mas pode trazer outras razões de fato, que não somente a dificuldade de se comprar uma arma de fogo individualmente. Considerando que o cidadão tem o direito de se defender de uma ilegítima agressão, já que o Estado não propicia segurança pública de qualidade, necessária para garantir o convívio social, a insegurança pode ser o real motivo no aumento das compras de armas de fogo pela população. A dificuldade da compra através da Polícia Federal, faz que o interessado busque outras formas mais sensatas. Resta saber se o cidadão armado, terá à sua disposição uma ferramenta de defesa ou um meio de morte? Debates de opiniões contra e a favor das armas é uma constante na evolução da humanidade, não sendo questão de fácil solução.

Conforme pesquisas antropológicas, nossos antepassados já utilizavam lanças, machados, ferramentas fabricadas com madeira e pedra, para abater e consumir animais, bem como para defesa de predadores. Essas armas brancas representaram fator preponderante para o sucesso evolucionista da espécie humana. Entre o Século IX e X, surge a pólvora no mundo Asiático, que passa a ser aprimorada para utilização como arma, daí a nomenclatura arma de fogo. Os primeiros modelos de arma de fogo surgem como grandes e pesados artefatos. Os primeiros tipos de canhões fabricados foram sendo cada vez mais utilizados em campos de batalhas europeus e parte do Egito. Demonstraram ser equipamentos eficazes nas batalhas, com obtenção de vitórias. Já naquela época, ficava nítida a diferença entre o poderio do exército que tinha seus canhões e aquele que ainda não dispunha dessa poderosa ferramenta bélica. De lá pra cá, a corrente armamentista só fez crescer e até onde se sabe, não tem finitude. A humanidade se valeu do emprego da lança, depois passou para a arma de fogo, em seguida para armas químicas, nucleares e já está a caminho de armas com emprego de raios letais, coisa de filmes de ficção. Considerações à parte, o certo é que o país que dispõe de alta tecnologia em armamento, seja nuclear ou químico, é visto como poderoso aos olhos do mundo. De uma forma geral, países com grande poderio bélico são mais respeitados por todos, exceto alguns terroristas, exercendo forte influência na política, na economia, entre outras áreas.

Inicialmente, da utilização do armamento pesado em batalhas, passa-se ao armamento individual, esse representado por armas de fogo portáteis, chamadas de armas leves. Surge aí, uma considerável diferença em relação ao emprego desse tipo de armamento: o canhão era empregado para atacar o inimigo em batalha, enquanto a arma leve era utilizada para defesa do seu portador. Com o tempo essa diferença foi ficando confusa na medida que a arma de fogo, inicialmente destinada à defesa do indivíduo, passa a ser utilizada para atacar não só o inimigo, mas qualquer outro desafeto, por qualquer motivo. Homicídios passam a ser praticados por motivo fútil, por vingança, banalidades, passionalidade, entre outras situações que não são amparadas pelo Direito. A arma de fogo por si só não tem capacidade de lesionar pessoas, carecendo de manifestação de vontade e ação humana, para ser disparada. Assim, a sua utilização é muito complexa, requer certa obediência de regramentos, para sua efetiva utilização. Nesse momento, surge o Estado com a finalidade de estabelecer conjunto de regulamentos para o emprego desse armamento.

Não se pode confirmar com exatidão, se o aumento de armas em poder da população contribui ou não para o crescimento da violência como um todo. Por comparação, sabe-se que o Japão é um dos países que possui menos armas de fogo, não chegando a uma arma por 100 habitantes e com uma taxa de 6 homicídios por 100 mil habitantes. No Brasil, esse número passaria para cerca de 8 armas para cada 100 habitantes e com mais de 60 homicídios por 100 mil habitantes. Quanto ao número de armas no Brasil, não há dados concretos oficiais comprovando isso, até pelo sabido número de armas clandestinas entrando e saindo do país ou mesmo pela qualidade das pesquisas realizadas por entidades não oficiais. Ainda que considerada a discrepância entre o número de armas por 100 habitantes entre o Brasil e o Japão, há que se considerar uma complexidade de fatores próprios de cada país, como situação cultural, econômica, sociais, religiosas, enfim, mundos diferentes, realidades diferentes. Usar essa comparação para implantar políticas de segurança no Brasil, pode não ser a melhor alternativa.

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O Mapa da Violência de 2016, elaborado pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais, publicado no início deste ano, aponta certa redução no número de homicídios no país, mas por outro lado, também registra o aumento generalizado do número de armas de fogo encontradas em meio à população. Pode até ser verídico que parte dessas armas tenham sido adquiridas por pessoas vinculadas a clubes de tiro. Segundo estudos realizados, entre 1980 e 2014, ocorreram 830.420 mortes no país, por disparos de arma de fogo e haveria uma tendência de agravamento nesse quadro, em razão de posturas políticas de apoio à aquisição de armas pela população, portanto contrárias ao que estabelece o atual Estatuto do Desarmamento. Para o cidadão que vive amedrontado pela criminalidade, fica cada vez mais confuso se deve ou não adquirir uma arma de fogo para sua defesa e de sua família. As implicações legais, pessoais, psicológicas, entre outras, decorrentes do uso de arma de fogo, realmente devem ser analisadas com seriedade para decidir qual a melhor solução. Como tudo reflete no Direito e afeta a vida das pessoas, é preciso moderação na busca do que fazer, em relação ao emprego de arma de fogo. Para a atuação dos agentes de segurança, que representando o Estado, devem proporcionar segurança pública às pessoas, as regras para o emprego de armamento são bem rígidas, demonstrando desconhecimento do governo em relação a real violência das ruas. Em 2010, foi publicada a Portaria Interministerial nº 4.226 de 31 de dezembro de 2010, editada pelo Ministério da Justiça e pela Secretaria de Direitos Humanos, trazendo vinte e cinco regras de como deve ser a atuação do agente de segurança, quando do atendimento de uma ocorrência policial. A regra geral é que não deve ser disparada arma de fogo contra pessoas, ainda que sejam bandidos perigosos, como primeira ação policial, antes deve ser empregado armamento não letal, depois tentar dissuadir o bandido a não resistir à prisão. Nos casos de enfrentamento, o agente deve procurar não efetuar disparo letal, mas tão somente para fazer cessar a ação do marginal, enfim, regras que não se aplicam a violência praticada pela marginalidade, a exemplo do que ocorre nos estados brasileiros. Se para o policial as regras são absurdas, para o cidadão a situação pode ser pior, nos casos de enfrentamentos da bandidagem com arma de fogo. Mesmo não sendo o Estado o “Leviatã” descrito por Hobbes, as regras por ele estabelecidas devem ser seguidas sob pena de ser gerado o caos social, com cada um buscando fazer justiça com as próprias mãos. Essa pode não ser a solução mais adequada.

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Até a década de 40, praticamente não havia legislação regulamentando sobre arma de fogo. Na década de 1940, em plena Segunda Guerra Mundial, é promulgado no Brasil a Lei das Contravenções Penais, na verdade o Decreto nº 3.688 de 3 de outubro de 1941, tipificando como contravenção penal e não crime, as condutas de fabricar, comercializar ou ter sob guarda, arma de fogo ou munição, sem permissão da autoridade. A pena prevista era de prisão simples de três meses a um ano ou pagamento de multa. Já o porte ilegal de arma de fogo era apenado com 15 dias a seis meses de prisão ou multa. As duas contravenções foram revogadas pela Lei nº 9.437 de 20 de fevereiro de 1997, a qual também já foi revogada pela Lei nº 10.826 de 22 de dezembro de 2003, mais conhecida como Estatuto do Desarmamento.De qualquer forma, desde a época da garrucha já havia legislação regrando a utilização de arma de fogo no Brasil e ainda hoje é polêmica a situação de ter ou não essa engenhoca consigo ou em casa para defesa própria ou de terceiros?Lembrando que a bandidagem sempre estará muito bem armada, pouco importando com os mandamentos da lei.

Em 1997, foi promulgada a Lei nº 9.437 de 20 de fevereiro de 1997, que institui o Sistema Nacional de Armas – SINARM e estabeleceu condições para o registro e para o porte de arma de fogo no país. Para a época foi uma legislação inovadora, pois que passou a criminalizar condutas envolvendo armas de fogo, com penas de detenção ou reclusão. Antes, tais condutas, como o porte ilegal de arma de fogo, era considerado simples contravenção penal, ou seja, crime menor, com pena mais branda. Essa lei vigorou até 2003, quando foi revogada pelo Estatuto do Desarmamento, através da Lei nº 10.826 de 22 de dezembro de 2003, a qual passou a regrar o registro, a posse e o comércio de armas e munições, definindo quais as condutas seriam crimes previsto na lei. O Estatuto foi regulamentado pelo Decreto nº 5.123 de 1 de julho de 2004, que definiu a competência do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas – SIGMA. Sendo mais rigoroso que a lei anterior, o Estatuto do Desarmamento, via de regra, proibiu o porte de arma de fogo no país, salvo algumas exceções. Chegou até a prever, inicialmente, que seria inafiançável o porte ilegal e disparo de arma de fogo. Essa previsão foi declarada inconstitucional pela Adin 3.112-1. A autorização para porte de arma do cidadão, até então era concedido ou não, pela autoridade policial dos Estados e do Distrito Federal. Com Estatuto do Desarmamento, essa competência passa a ser da Polícia Federal, dificultando e reduzindo drasticamente a emissão do porte de arma no país. As restrições legais trazidas pelo Estatuto, realmente surtiram algum efeito positivo no início de sua aplicação prática, porém com o passar do tempo nota-se que a lei vem perdendo o seu poder de inibir práticas criminosas com emprego de armas de fogo. O armamento ilegal continua entrando no país e sendo usado para prática criminosa e não é por falta de rigorismo da lei. As condutas de importar, exportar, favorecer a entrada ou a saída do país, de arma de fogo, acessório ou munição, sem devida autorização legal, tem a pena mais grave do Estatuto do Desarmamento, que vai de quatro a oito anos de reclusão, podendo ser aumentada até o dobro, caso as armas sejam de uso restrito, ou seja, aquelas armas cujos calibres não podem ser utilizados pela população civil. Recentemente foram apreendidos pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, sessenta fuzis de alta precisão, utilizados em ambientes de guerra, com valores nominais que chegam a R$ 50 mil reais cada um. Não é o rigor da lei que inibe a prática criminosa, principalmente aqueles praticados por grupos criminosos organizados, mas a sua efetividade na aplicação no caso concreto. Enquanto isso a população continua refém da bandidagem.

Tramitam no Congresso Nacional alguns projetos de lei que trazem algumas mudanças no atual Estatuto do Desarmamento, diminuindo algumas restrições ao porte de arma pelo cidadão comum, entre outras situações legais. Posições contrárias e a favor dessa alteração, escondem interesses que não ajudam a melhorar a situação da insegurança no país. Orientar a pessoa para que adquira uma arma de fogo para sua defesa e de sua família não é tão simples assim. Por outro lado, saber que a vítima desarmada não tem nenhuma possibilidade de defesa em relação ao criminoso, também não parece justo. O correto seria o Estado propiciar segurança pública necessária à tranquilidade da população, mas enquanto isso não acontece, cabe a cada um decidir se vai se armar para se defender, mesmo correndo risco de morte ou se vai ficar somente na condição de vítima, sem reagir, rezando para não ser morto.


FERRAMENTASJOSÉ ROBERTO FERRAZ

Ex-comandante da Guarda Municipal de Jundiaí; delegado aposentado da Polícia Civil; especialista e professor de Direito Ambiental.