No mesmo dia, duas situações me despertaram. A primeira, ao trafegar pela Vila Joana. Um casal, com aparência de moradores de rua, seguia pela calçada em titubeios. Assim que os vi, a moça estava toda molhada. Por certo se banhara em alguma mangueira cedida pelo percurso. O moço lhe entregou uma toalha de banho e ela, com expressão de contentamento, sem se deter, enxugava os cabelos encaracolados. Vinham, creio eu, de um bairro onde há farto comércio de drogas. Seguiam em direção ao centro da cidade.
A que decadência chega o ser humano e sem perder a noção de algumas coisas essenciais como a higiene pessoal, nesse caso acontecendo à vista de todos. Que judiação! Desconheço o que se passou com os dois após saírem do berço e suas angústias. Qual foi o mundo que lhes apresentaram. Quais os olhares com que se depararam. Quais as experiências que adquiriram junto à sociedade, à família, à escola e ao mundo. Cidadãos do acaso em busca de nada.
À tarde, estive com um egresso do sistema penitenciário. A compulsão pelas drogas o levou a delitos outros e dos delitos ao cárcere. Amargou vários anos preso, pois não retornava nas “saidinhas”. Há um tempo considerável, deixou os entorpecentes e sua história atual indica um novo rumo. Trabalha como autônomo, pois é raro que um atestado de antecedentes criminais, com nódoa, possibilite a inserção no mercado de trabalho. Durante a conversa, comentou que tem conseguido se autocontrolar quando alguém o irrita e concluiu: “Se abro a boca, a mão se fecha”. Um soco é quase imediato. Conhecer-se é virtude essencial. Aplaudi-o por essa vitória e me veio o casal que avistara pela manhã. Como conseguir o autocontrole após incontáveis decadências? Na verdade, cada um de nós necessita de autocontrole nisso ou naquilo, ma, se não houve degradação maior, é mais fácil.
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Na atualidade falta esse exercício de autocontrole. Há pais que permitem e justificam as atitudes negativas dos filhos e, mais tarde, nos desencontros dos mesmos se fazem de vítimas. Correção de atitudes comportamentais nas escolas é motivo de denúncia e de reclamos dos responsáveis pelas crianças e adolescentes. E como quem vive sem limites pode, em algum momento, dizer não ao que é prazeroso, mas corrói o ser humano? Nos dois casos que citei, creio que o problema maior se encontre na ausência de aconchego social. (foto acima: astroclick.com.br)
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE
Com formação em Letras, professora, escreve crônicas, há 40 anos, em diversos meios de comunicação de Jundiaí e, também, em Portugal. Atua junto a populações em situação de vulnerabilidade social.