Quinto dia de 2017. Impossível se desfazer de alguns acontecimentos de 2016, tão próximos. E ficamos repensando. Chega-me um texto da escritora Cris Pizzimenti que me traduz nesta crônica: “Sou feita de retalhos… pedacinhos coloridos de cada vida que passa pela minha e que vou costurando na alma. Nem sempre bonitos, nem sempre felizes, mas me acrescentam e me fazem ser quem eu sou”.

Penso no moço que partiu tão cedo. Desencontrou-se em algum atalho e dele não conseguiu sair. Em suas divergências e finitudes, contudo, teceu laços de carinho e as pessoas, em seu velório, comentavam sobre isso, bem como sobre sua maneira despojada de brincar com elas. Foi vida, portanto, que acrescentou em humanidade e, neste ano, já experimenta o infinito.

O menino chegou, há dez anos, em data imprevista, embora se esperasse por ele na fila de adoção. Acolhê-lo foi história de amor. O colégio famoso, escolhido para a sua educação formal, tinha fama de estar vinculado às virtudes que enobrecem o ser humano. Foi lá, no entanto, que o pequeno se sentiu às margens pela cor, pelo histórico, pelo comportamento difícil… Havia uma justificativa para cada um que o feria ao chamá-lo de macaco, preto fedido, carvão, sem família e misericórdia alguma com suas reações violentas. Foi empurrado para fora, assim como acontece com os filhos da pobreza, de quem ele descende. E ousam manter, no colégio, o nome de Nossa Senhora, que se fez de todos os povos, dos marginalizados, dos pequenos, dos oprimidos… Colégio em decadência no que diz respeito à civilização de amor, que Jesus sonhava pelas ruas da Galileia.

Luiz Carlos Ruas, camelô, massacrado até a morte, na noite de Natal, na estação Dom Pedro 2º, em São Paulo, por defender dois travestis. Bestas humanas os agressores.

Ao sair do cabeleireiro, dois homens se apresentaram à moça como detentos em período de “saidinha”, puxaram a corrente de seu pescoço e exigiram que lhes entregasse a aliança e a bolsa. Sistema carcerário falido.

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Quero, entretanto escrever sobre o que torna melhor o coração. Na Missa de Natal das 7h00, na Catedral Nossa Senhora do Desterro, o padre João Estêvão, como sempre me marcou. Disse sobre o Menino Jesus ter saído do ventre de Maria para entrar em nosso coração e que isso aconteceu em uma estrebaria, porque não havia lugar para Ele nos “espaços dos incluídos”. Ao meu ver, permanece assim.



cris-castilho-vale-estaMARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE

Com formação em Letras, professora, escreve crônicas, há 40 anos, em diversos meios de comunicação de Jundiaí e, também, em Portugal. Atua junto a populações em situação de vulnerabilidade social.

 

 


 

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