De que adianta a semana ser curta se os problemas são os mesmos ou maiores? A ilusão de que a semana será de pequena duração não deixa de ser uma simples perspectiva nossa, que temos urgência em ver o tempo passar, talvez pela vontade de vivenciar coisas boas, talvez na ilusão de concluir este momento caótico. Apenas parece ser mais curta…

No entanto, é apenas ilusão, mesmo. O caos é o mesmo, o tempo é o mesmo e nossos deveres apenas se ampliam, sem dar trégua e fôlego para novas propostas. Vejamos que a semana inicia com o término do prazo de entrega do IR. Quer coisa pior? Quer dilema mais pontual? Pagamos tudo e tanto e recebemos pouco ou nada, pelos impostos que nos chegam.

Mas será que foi apenas este o conflito ou a novidade da semana?


O incêndio em São Paulo.

Como pensar num prédio que pertence a órgãos federais, abandonado às traças, ocupado por pessoas que estão em situação vulnerável, sem moradia. Cada um dos mais de vinte andares é dividido em pequenos cômodos, por meio de madeirite, iluminado precariamente e servido por água, que vaza pelos corredores. Mas pagando um aluguel que varia entre R$ 300 e R$ 400 à liderança de movimentos que deveriam zelar pelos princípios e direitos destes desalojados.

Com reportagens que levaram à exaustão, viu-se e ouviu-se por centenas de vezes por dia, as cenas da tentativa de resgate de uma pessoa que salvou vários moradores, como também se repetiu a mais não poder as cenas do desabamento, da igreja vizinha e do prédio ao lado.

Muitas vezes, as chamadas televisivas não traziam o novo, mas serviam para mais uma dessensibilização do caso, gerando enfado e descaso, para algo tão sério. Infelizmente, notícias muito repetidas, trazem este efeito psicológico, em função de faltar o novo, de ser apresentada por repórteres que não articulam devidamente bem a língua materna (que lástima!!! Que falta de formação!!!) e de não acrescentar mais nada ao já exposto.

No entanto, a revolta contida fica por conta da situação apresentada: o prédio já havia sido condenado, já houve laudos de visitas técnicas e os responsáveis, no caso os órgãos governamentais, nada fizeram. Talvez seja esta a maior revolta, diante do ocorrido. Quem se responsabilizará pelo pouco (e tudo) que cada um daqueles ocupantes perderam? Quem devolverá seus poucos pertences e sua dignidade, já anteriormente perdida, mas agora destruída? Quem trará de volta as vidas que se foram?

Entrevistadores apontam que órgãos governamentais ofereceram alojamentos para os primeiros 30 dias e uma verba no valor de R$ 500 para mais alguns meses. Mas, e depois? E durante? Como uma família se mantém com este dinheiro? Será que ao apresentar tais propostas não se pode questionar valores? Ou um repórter é um mero “reportador” de fatos “impensavelmente”?

Descobrir como começou o fogo e como se propagou (lógico, daqui 3577642 dias, porque a perícia tem muito a fazer) é pouco e desnecessário: já foi. Já torrou. Já desabou. Já destruiu. Será que não seria ideal perder tempo em pensar como resolver o problema posto e exposto? Pois, como dizem meus alunos, a cada reunião a que sou convocado: você vai pra mais uma reunião do nada? Tudo se resolve em instâncias e a resolução volta na mesma velocidade que chega ao topo delas. E até lá, bem sabemos, a Vida continua, meio torta, mas continua.

Ufa…informaram que existem mais 70 edifícios ocupados e que serão vistoriados. Na velocidade de uma vistoria por semana? E que solução já têm em mente para tomar, uma vez que nenhum deles estará em perfeitas condições?  Ou vão vistoriar os setenta, primeiro, para depois fazerem mais umas 12 reuniões e, perto de 2020 sairá um primeiro plano para um dos primeiros casos? Quanta inoperância. Tristeza.

Algo bom? Sim!!!!

Temos o privilégio de contarmos com uma espécie de homens que não se cansam e que acreditam que funcionários públicos são os que atendem ao público: o Corpo de Bombeiros. Grupo fabuloso, instruído, adequado, incansável e atuante. Exemplos de funcionários públicos, dignos de nossos elogios e respeito, incansáveis e lutadores contra as adversidades. Diante de um mar de lama, esta é uma bandeira branca que nos alerta para o possível, para o correto, para o necessário. Apesar de ser clichê, estes nos representam com dignidade. Um orgulho podermos contar com uma corporação tão edificante e humanizada.


E a Ginástica Olímpica não traz apenas medalhas e glórias. Traz, também, problemas estranhamente encobertos pela sua história. Fomos surpreendidos por um estrondo maior que o de um tsunami e percebemos que, neste assunto, também, as notícias são passadas sem serem refletidas pelos profissionais da mídia.

Chegam-nos a informação de que o técnico assediou sexualmente seus atletas, que denúncias foram feitas a mais de 10 anos, que pais e atletas revoltados cobravam solução e que muito mais atletas podem se juntar ao grupo de denunciantes. Este caso vem à tona quase junto com o lançamento do filme “Aos Teus Olhos”, onde um professor de natação infantil, carismático e sedutor, é acusado de beijar um aluno na boca, sem que haja testemunhas.

O filme fala de julgamentos e linchamentos virtuais e do perigo de calúnias; tal tema atualíssimo é abordado em clima de suspense e a acusação vem, como várias hoje em dia, pelas redes sociais: o post de uma mãe se torna viral e provoca um linchamento moral virtual imediato. A denúncia se espalha rapidamente na internet e até as pessoas mais próximas do protagonista, como a diretora da escola e um colega de trabalho, ficam em dúvida sobre suas ações e intenções. A premissa é inspirada na peça ​​espanhola “O Princípio de Arquimedes”​, ​de Josep Maria ​Miró.

Mas, e este caso da ginástica? O que observar melhor? O que analisar com mais precisão? Talvez o tempo da ocorrência e a celeuma da acusação atual? Por que tanto tempo? Modismo? Facilidade da virtualidade? Algumas comodidades? Choques? Traumas? Por que tanto tempo?

Além das brincadeiras a que profissionais citaram, algo de mais palpável fora observado? Algo que excedesse a normalidade? Porque fica muito estranho ouvir de um atleta que, aos 15 anos, tomou banho na mesma banheira. Ou que um trote de alojamento causou ataque epilético? Ou que o técnico segurava o atleta com segundas intenções. Estamos falando de Ginástica Olímpica, uma modalidade que, na faculdade, se ensina primeiro a como ajudar o aluno, a como prevenir acidentes, a como amparar.

Por que é assim? Por que a Ginástica Olímpica é uma modalidade que exige força, velocidade, resistência, flexibilidade e toda agilidade possível na execução de seus movimentos. Desta forma, a iniciação é feita passo a passo, com apoio dos professores/técnicos, para que o aprendiz não se machuque. E estes apoios são manuais: o profissional segura, apoia, empurra, ajuda a virar, enfim, está presente, auxiliando e protegendo o aprendiz, de modo a evitar traumatismos e lesões de grande porte.

Como a Psicologia do Esporte pode auxiliar na questão? De modo a garantir segurança psíquica ao elenco, e não apenas ao atleta. Fortalecendo e possibilitando que os envolvidos na atividade estejam focados e atentos a cada gesto e cuidado, manejando a ansiedade e minimizando questões de estresse. Sempre para o elenco. Atenta ao técnico e aos alunos. Atenta à competição e à aprendizagem. Atenta à evolução técnico-tática e às sinalizações de impedimento. Ela agiu assim? Esta é uma pergunta que fiz nas quatro entrevistas que dei, para quatro rádios da capital. Eu não sei.

Onde estavam os profissionais da Psicologia do Esporte durante estes treinos? E durante estes momentos pré-competitivos? E durante as competições? E nos vestiários? Mas, tem mais: onde estavam os preparadores físicos? Onde estavam os pais? Onde estavam os dirigentes? Percebem? Analisar o momento esportivo significa lançar luz a todos os seus eixos e estes são os eixos. Estes todos listados acima.

Não significa que todos devessem estar juntos, de mãos dadas, observando cada passo, cada gesto. Mas que todos estivessem atentos às mudanças comportamentais: este atleta, lá atrás, 10 ou 15 anos atrás, reclamou de algo? Tentou desistir da modalidade? Se o aprendiz se mostrou estranho e agressivo por qualquer situação? Comentou algo que levantasse olhares para a atitude do técnico?

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Porque, por outro lado, o que vimos foi que muitos saíram da equipe mas que, quando o técnico foi convocado para a Seleção Brasileira eles voltaram para os treinamentos. Isso foi quase que uma prática usual, exceto para aqueles atletas que pararam de competir ou que saíram do país. Este detalhe também merece ser bem analisado.

Enfim, são muitos detalhes, mas já vivemos uma questão semelhante, com a Escola Base, em que os diretores foram acusados, houve o linchamento moral, a depredação do imóvel, muitas denúncias mas nada de concreto se apurou. Agora, num emaranhado de tessitura bastante complexa, estamos diante de uma série de acusações, que servem de linchamento moral virtual, de denúncias que se espalham rapidamente na internet e muitas dúvidas. Que não sejamos nós a engrossar o coro dos que falam sem conhecimento.

Mas, também, que não sejamos nós que nos dessensibilizemos diante das atrocidades e das fragilidades humanas. Tenhamos cautela em nossos comentários. Estudemos mais situações e fatos ocorridos, de igual natureza, no Brasil e no Mundo, para que percebamos o fenômeno com sua grandeza e clareza, mas que tenhamos prudência no ataque.

Volto, mais uma vez a me perguntar: onde estavam os pais destes jovens, quando isto aconteceu? Se tudo ocorreu como falam hoje, por que se calaram por tanto tempo? Temos muitos estudos acadêmicos sobre o assunto, que seriam excelentes fontes de leitura, antes de entramos neste debate. Enquanto isso, prudência e atenção. (Foto: www.brasil2016.gov.br)


AFONSO ANTÔNIO MACHADO

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduando em Psicologia, editor-chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.