A gente não quer só comida/A gente quer comida, diversão e arte/A gente não quer só comida/ A gente quer saída para qualquer parte. E chega de tanto blá-blá-blá e mimimi…

Pois é, muito se fala, muito se agride e muito se rumina. Mas, na verdade, poucos são os caminhos que adotamos como solução ou viabilização de saídas do inferno no qual nos metemos. Estamos enredados, sem percebermos a saída. O que nos deixa no inativismo? O que nos congela ou bloqueia?


E o Rio de Janeiro continua lindo…

Sim, porque lindo ele sempre foi e sempre será, o problema não está na beleza, está no estado em que aquele paraíso se encontra: abandonado, sem proteção, desestruturado, falido. E não se trata de um espaço isolado: lendo as notícias sobre eleições e finanças percebemos que é algo epidêmico ou endêmico, mas que assusta, sem ter saída.

Onde a população errou para pagar tamanha dívida e sofrer tanto? Ou melhor: a população tem culpa nisso? Se pensarmos pelo lado do voto, sim! Totalmente culpada por escolher errado, escolher elementos despreparados e mentirosos, optar pela troca de voto, aceitar benfeitorias momentâneas trocadas pelos votos.

Se analisarmos estes exemplos acima apontados, vemos que ao trocar nosso voto por questões de ordem pessoal, ficamos envolvidos na mesma lama que perpassa o momento político, e isso tira-nos a possibilidade de queixa e de manifestação de nossa indignação. Tornamo-nos mais um corrompido e comprável. Lamentavelmente é fato.

No entanto, quantos lutam pelos seus direitos? Quantos questionam a situação da escola pública no município, estado e no país? Quantos acompanham as legislações educacionais, com seus acertos e erros e apresentam propostas bem fundamentadas? Ninguém, nem mesmo as grandes universidades que atualmente estão coloridas por matizes partidários.

Ainda sabendo que a ciência não é (nem nunca foi, nem nunca será) neutra, na década de 70-80 dizia-se que as universidades estavam apaixonadas pelo marxismo. Hoje, numa concepção bem mais emporcalhada, a universidade vem colorida de cores de partidos políticos, com palavras de ordem e gesticulação comprometida, mas sem um estofo teórico que fundamente tamanho alarido. Grita-se para demonstrar que aquela voz merece ser mais e melhor ouvida do que a outra voz, mas temos os mesmos oprimidos, os mesmos carentes e o problema não fica mais restrito à equação sociocultural: “mulher-negra-nordestina”.

Para que nossos gritos tivessem ecos será necessário percebermos que os tempos são outros. Que estamos no século 21 e que questões interdisciplinares são mais gritantes e aberrantes. A indignação entra e senta nos bancos escolares, com sentimento e concepção de inatividade e medo. Fomos reduzidos a isto, no decorrer dos tempos.

Lemos que a saúde pública está caótica. Que médicos não cumprem seus horários e não atendem seus pacientes com civilidade. Pior: que estão sendo mal formados, conforme o presidente do Conselho Federal de Medicina. Mas a população tem culpa das faculdades não cumprirem seus papéis? Será que isso também é culpa do homem comum, que trabalha feito um cão sem dono para receber um salário de fome? Certeza que o povo também responde por isto?

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E sobre a (in)segurança? Qual a proposta para sair desta sujeira toda e voltar a ter paz? Fui trabalhar num concurso público, numa universidade carioca, dias destes. Ao me dirigir ao hotel onde me hospedaria, nosso carro foi interceptado por um jovem rapaz, fortemente armado, que apontava seu revólver para os carros que passavam, sugerindo que parassem. Não atirou no veículo que eu estava, mas me aterrorizou e muito.

No dia seguinte, de volta a Universidade, comentei o ocorrido e ouvi de colegas: é…um infeliz…. Fruto do sistema… Judiação… Blá-blá-blá e mimimi. Fruto de que sistema? Do sistema a que todos fazemos parte? Infeliz por quê? coitado de quê? E se um tiro fosse dado e resultasse em morte, qual a proposta? Fazer mais 100 camisetas com a estampa do morto e sair zumbimente com cartazes gritando Justiça?

Quando vejo isso me pergunto: de que justiça falamos? Qual justiça temos? Que justiça queremos? Justiça para quem e para que? Porque não falamos nem pensamos em coisas comuns. O que temos tem um certo colorido. O que gritamos tem outro colorido. E o que silenciamos tem, ainda, outro colorido. Triste fim das cores partidárias e politizadas. Viraram chacota.

Na verdade, perderam seus significados e seus significantes.

Corrói a alma notarmos que tudo ganha colorações que não são refletidas e analisadas. Tudo que é dito é contra isso ou é por causa daquilo. Já não se pode ter um pensamento diferente, não se pode expressar uma predileção ou apontar um caminho: tais ações são dignas de morte na fogueira, tal qual na Idade Média. E a turma do patrulhamento não joga leve: destrói, invade a privacidade, detona com as relações.

Como seria bom termos aula de civilidade. De cultura. De leitura (essa, então, está premente). Como seria bom voltarmos a conviver com as pessoas pelo prazer de ser humano. Não sou Matusalém, mas sinto falta disso. Sinto falta de poder andar sem medo, de poder dizer o que penso, de poder gastar meu tempo com coisas melhores do que as que me são propostas. Entendo que viver em sociedade remete a isso todo que temos, em abril de 2018. Entendo. Mas mudar este estado de coisa sugere que mais pessoas manifestem seus pontos de vista e que atuem mais enfaticamente na sociedade da qual fazem parte.

Este pertencimento precisa ser responsável e coerente. Precisa ser enfático e intermitente. Porque de outra forma será apenas um mimimi sem efeito prático e sem transformação. Chega de dizer que o tempo dos militares foi bom. Vamos estudar mais História do Brasil, a luz do povo; vamos ter mais responsabilidade com nossas palavras, vamos gerar propostas mais mobilizantes e pontuais. Vamos transformar nosso interior, para então transformar nosso coletivo.

E, de certa forma, uma proposta inicial seria: quando leu seu último livro? E o que pôs em pratica daquilo que leu? Pode ser assim? Uma transformação culta e engajada, como as boas lutas sociais devem ser? Vamos… Leu o quê? Mudou o quê? (Ilustração: plus.google.com)


AFONSO ANTÔNIO MACHADO

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduando em Psicologia, editor-chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.