Sobre os ÍNDIOS ESCRAVIZADOS, ou ‘administrados’, no Japy

Mesmo Jundiaí sendo uma das cidades mais importantes do interior paulista, a região está situada entre duas metrópoles, São Paulo e Campinas, poucos estudos foram feitos sobre sua fundação. Dentre os pesquisadores que estudaram esse assunto, temos Walter Fagundes Morales e Flávia Prado Moi. Os autores publicaram, em 2008, o texto Índios e africanos no interior paulista: um estudo sobre a transição do cativeiro indígena para a escravidão africana na Vila de Jundiaí, SP, no século XVIII, na Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia.

Como fontes cartoriais para escrever o artigo, os Morales e Moi utilizaram dois manuscritos depositados na Cúria Diocesana de Jundiaí e são eles: “Livro de Óbitos” e “Livro de Casamentos”. O primeiro livro tinha como objetivo registar todas as mortes de escravos ocorridas entre 1744 e 1787, e o segundo tinha como propósito arrolar todos os casamentos realizados entre 1739 e 1777, cujos noivos eram escravos. Como ‘escravo’ entendia-se não somente os negros trazidos à força da África, como também os indígenas capturados nos ‘sertões’ e usados como mão-de-obra cativa.

Mais ou menos em 1760, os negros e seus descendentes passaram a ser a fonte principal de mão-de-obra escrava, uma vez que os indígenas começam a ser considerados livres. O que Morales e Moi observam, no entanto, é que a liberdade indígena era somente na teoria, uma vez que manter essa população como escrava ainda era hábito corrente, como observamos pelo deslize do vigário Ignácio Paes de Oliveira e apontado pelos autores em seu texto:

“(…) faleceo da vida presente Teresacayapó, solteyra, escrava, digo administrada, de Francisco Moyses e moradora no Japy (…)” – Livro de Óbitos, p.68, verso.

Morales e Moi explicam que para a Coroa Portuguesa, os índios deveriam ser considerados livres caso fossem amigos ou aldeados. Porém, os colonos necessitavam ainda de mão-de-obra indígena e capturada de forma irregular uma vez que o preço para adquirir um escravo africano era muito elevado. Assim, para ludibriar as leis, não se escrevia mais ‘escravo’ nos documentos legais quando se falava dos índios, mas sim ‘administrado’.

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Assim, partindo de um levantamento minucioso dos livros de Óbitos e Casamentos, os autores atestam que índios foram usados como mão-de-obra escrava até meados do século XVIII, mesmo a prática sendo proibida por leis. (Ilustrações: Wikipédia)


KATHLIN MORAIS
Jundiaiense, mestranda em Filologia e Língua Portuguesa pela USP, técnica em conservação e restauro de documentos em papel pelo SENAI e professora de Francês e Inglês na Quero Entender – Aulas Particulares.