THALITAThalita Pereira de Souza tem hoje 22 anos. Ela deixou o Brasil com este nome em 1996. Mas pode muito bem se chamar Geovana, Beatrice ou Ariana, nomes comuns na Itália. Thalita pode pensar que nasceu naquele país de fato. Ou pode saber que é brasileira e que foi adotada. É neste ponto que os parentes dela – em especial Maria José Pereira de Souza, sua mãe de coração –  mais sofrem. Se a jovem sabe que não é filha biológica do casal de italianos, o que teriam dito para ela? Será que falaram que era maltratada? Que não a queriam mais? O que ela pensa de nós? Nas duas últimas décadas, estas dúvidas atormentam  Maria José. A dor deverá acompanhá-la até o último dia de vida. Encontrar a sobrinha é algo praticamente impossível por todas as circunstâncias que envolveram seu nascimento e apreensão pela Justiça de Jundiaí.

A menina nasceu em Santo André no dia 18 de fevereiro de 1995. A mãe, sobrinha de Maria José, tinha 18 anos e usava drogas. Nos anos 90, o registro da criança não ocorria dentro dos hospitais, como hoje. Thalita só viria a ser registrada um ano depois, quando já tinha sido adotada e levada para o exterior. Aos 10 meses, a menina foi trazida para a casa de Maria José. A mãe biológica ficava fora por alguns dias e depois voltava. A tia, por sua vez, foi se afeiçoando pelo bebê até que falou que gostaria de tomar conta dele. Isto acabou acontecendo em janeiro de 1996. Thalita já chamava Maria José de mãe, já tinha dado os primeiros passos na nova casa e os dentinhos nasciam para a alegria da família.

A jovem viciada se internou em uma clínica em Guaratinguetá e de três em três meses vinha para Jundiaí. Neste período ela procurou Maria José, para dizer que iria passar a guarda de Thalita para ela. A tia foi para Santo André e no hospital conseguiu um documento comprovando que a menina tinha nascido ali. Ela queria legalizar toda a situação, fazendo a Certidão de Nascimento.  Com o papel, Maria José passou a ir ao Fórum de Jundiaí. O marido dela tinha acabado de se aposentar e apoiava a esposa. A família morava na vila Marlene. “Eles tinham uma casa. Não era um barraco. Era uma família que tinha condições de criar bem a Thalita”, explicou um conhecido.

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Até então, a garotinha não tinha tomado nenhuma vacina. Foi Maria José quem a levou até um postinho de saúde. De tantas idas e vinda ao Fórum, uma audiência foi marcada. A mãe adotiva levou testemunhas para comprovar que poderia assumir a guarda. Até a mãe biológica foi obrigada a vir de Guaratinguetá para depor e, para surpresa de todos, acabou dizendo que não considerava a tia a melhor pessoa para cuidar de Thalita. Na saída, tia e sobrinha discutiram nas escadarias do Fórum.

Dias depois, sem saber muito bem o que deveria fazer, Maria José voltou ao Fórum com a criança. Lá, passou a conversar com uma mulher que se identificou como assistente social. Depois de algum tempo, a funcionária falou que o juiz gostaria de ver Thalita.  Os minutos foram passando e a menina não voltava. Maria José ficou desesperada até que passou a bater na porta do gabinete do juiz. “Dois seguranças apareceram e disseram que a Thalita tinha sido apreendida. Falaram que iriam arrumar uma família para ela e que a Maria José nunca mais iria vê-la”, conta um familiar. A mãe biológica foi avisada e voltou para Jundiaí. Os parentes contam que ela ficou perplexa. Não sabia se culpava a si própria ou se culpava a tia. Maria José, mesmo não tendo mais Thalita, providenciou uma certidão de nascimento com o documento que havia conseguido no hospital. Com estes papéis, a carteirinha de vacinação e fotos, ela ia para o Fórum sempre que possível.

Na vila Marlene, Maria José encontrou uma conhecida cuja filha trabalhava na Casa Transitória Nossa Senhora do Desterro, no Anhangabaú. Uma foto de Thalita foi entregue para a amiga que, dias depois, veio com a resposta da funcionária do abrigo: a menina estava lá.  Qualquer pessoa podia visitar as crianças da Casa Transitória, lembram os parentes de Maria José. E foi o que ela começou a fazer. Ia até o abrigo, dava atenção para todas as crianças mas não tirava os olhos de Thalita. “A garota estava abatida. Tinha perdido peso. Ela ficava isolada. Sentia falta da Maria José”, disse um amigo da família.

Em setembro, a jovem que trabalhava na Casa Transitória deu o telefonema que selaria o destino de todos. Ela avisou Maria José que naquela tarde um casal de italianos iria até a Casa Transitória e levaria Thalita embora. “Todos nós choramos e sofremos muito. Sabíamos que nunca mais iríamos vê-la. Meses depois, um advogado público falou para nós que ela tinha ido para o exterior mesmo. Ele deu até o nome da província onde Thalita estaria vivendo”.

A partir daí, a história de Maria José é igual à de todas as outras mães que tiveram os filhos apreendidos pela Vara da Infância e da Juventude de Jundiaí. Ela passou a fazer parte do Movimento das Mães da Praça do Fórum, foi a vários programas de televisão, conversou com autoridades. “Ratinho, Faustão, CPIs, nada resolveu. A menina não voltou mais”, lamentou outro conhecido da família.

Hoje, Maria José não gosta de tocar neste assunto. O sofrimento ainda não acabou, segundo os parentes. “Mas ela fez tudo o que podia para ter a Thalita de volta”, atestam. Ela não dá entrevista e não se deixa fotografar. Argumenta que ficou exposta demais na época das Mães da Praça do Fórum. Quem falou com o Jundiaí Agora – JA – também demonstra receio e pede para não ser identificado. Lembram que o juiz Luiz Beethoven Gioffini Ferreira processou todos os veículos de comunicação e apresentadores de televisão que o atacaram. “Ele ganhou todas as ações”, disse um amigo da família.

Em 2010, uma parente de Maria José teve uma iniciativa que pode não ter localizado Thalita. Contudo, uniu um rapaz que foi adotado por italianos à sua família biológica. Esta será uma das próximas reportagens da série ‘Adotados à Força’.


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