SOFRIMENTO

 

 

“Eu procuro os meus filhos há 20 anos. E a cada dia que passa o sofrimento aumenta mais. Dói demais (choro). É muito triste viver sem meus filhos. Eu sofro tanto, mas tanto, tanto! Dói na alma”. A frase é de Fabiana Pereira de Matos, 42 anos. Ela teve os filhos retirados pela Vara da Infância e Juventude de Jundiaí em 1997. Samuel tinha dois anos. Jéssica, 6 meses. “Disseram que nós éramos pobres demais para tomar conta das crianças. Mas na minha casa nunca faltou nada, muito menos comida. Nós éramos humildes. Mas não éramos miseráveis”, afirma Fabiana.

Na época, ela morava em Itupeva. Era separada do pai das crianças, hoje falecido. Morava com a mãe e a irmã, Karina Pereira Monteiro, que confirma toda a história. Karina, aliás, já tinha uma filha na época. “Só não a levaram porque o pai dela é guarda municipal”, dizem as irmãs. Hoje, a prima de Samuel e Jéssica tem 21 anos, estuda para ser juíza e tentar entender o que aconteceu há duas décadas e para onde foram levadas as duas crianças.

O desespero de Fabiana é tanto que ela começou a supor que os filhos poderiam ter sido adotados por um casal holandês. Ela encontrou a ONG PDBeH – Pessoas Desaparecidas Brasil Holanda – no Facebook e começou a conversar com a voluntária Liza Silva que passou a ajudá-la, mesmo com chances remotas de achar Samuel e Jéssica. Sem nenhuma pista, o trabalho da ONG é dificultado e, levando-se em consideração que as crianças de Jundiaí foram adotadas por casais da França, Itália, Holanda, Israel, Alemanha e Estados Unidos, procurar os filhos de Fabiana é algo praticamente impossível.

Mesmo assim, Liza preparou um cartaz que foi distribuído pela Holanda e está na internet. Até o momento, a voluntária da ONG não recebeu nenhuma informação sobre os filhos de Fabiana que hoje mora em Indaiatuba e tem três filhos.

SOFRIMENTO
Jéssica: poucos dias de vida e problemas de saúde; a única foto que a família tem dela
SOFRIMENTO
Samuel: o menino foi tirado da família quando tinha dois anos de idade

Lendas urbanas – Para piorar ainda mais o drama de Fabiana e Karina, elas convivem com o medo de que a menina Jéssica tenha sido vítima de tráfico de órgãos. A bebê não emitia nenhum som. As duas acreditam que ela era surda e muda.

Na época, Fabiana conseguiu um encaminhamento do Hospital e Maternidade Jundiaí, que hoje não existe mais, para levar a criança para exames na Unicamp. Não deu tempo. “Num dia de julho de 1997, viaturas com policiais e funcionários do Fórum chegaram em casa e levaram meus sobrinhos. Nós éramos muito ingênuos. Mesmo assim, fui vários dias ao Fórum, em Jundiaí. Nunca me deixaram ver as crianças”, relembra Karina. “Como a menina não falava, será que não a utilizaram nesta coisa de tráfico de órgãos? Será que ela ainda está viva?”, pergunta a tia atormentada.

A mãe, por sua vez, diz que se agarrou em Deus e que nunca precisou de tratamento psicológico. Karina explica que Fabiana nunca mais foi a mesma depois que a Justiça levou os filhos dela. “Lembro bem do Samuel chorando quando o tiraram de mim. Ele estava de camiseta amarela e calção laranja. Dei um abraço apertado nele. Depois, o levaram”, relembra Fabiana.

FABIANA 9
Fabiana: três filhos num novo relacionamento mas nunca esqueceu Samuel e Jéssica

Karina é mais objetiva. “Quando tiraram meus sobrinhos de casa levaram até os registros de nascimento deles. Cansei de bater em portas que se fecharam para mim. Fui várias vezes ao Fórum e não consegui nada. Na OAB também busquei ajuda e disseram que o processo é muito antigo e que está arquivado. No cartório onde Jéssica foi registrada descobri que não há mais nenhum documento com o nome dela. Agora me falaram que no Congresso estão fazendo uma CPI sobre estas adoções que aconteceram na década de 1990 e que eu deveria procurar o Ministério Público ou a Defensoria Pública”, diz.

Fabiana, por sua vez, vive num eterno sonho de reencontro. “Nunca perdi as esperanças. Não vejo a hora de rever meus filhos. E, quem sabe, pode ser que eles ainda se lembrem um pouquinho de mim, né? O Samuel principalmente. Ele tinha dois anos. Quem sabe ele tem uma vaga lembrança de mim”, tenta se reconfortar.


 

SOFRIMENTO

ADOTADOS POR HOLANDESES, IRMÃOS DE JUNDIAÍ QUEREM REVER FAMÍLIA BIOLÓGICA