As alterações emocionais são muito interessantes. Diante de uma mesma partida cada um de nós tem sua reação e se estivéssemos duas vezes diante da mesma situação poderíamos correr o risco de sentirmos coisas diferentes em cada uma delas, em decorrência do contexto a que nos submetêssemos. Por isso entendemos que os processos emocionais não são provocados apenas por determinados acontecimentos externos, mas as percepções que temos do ambiente e da textura social dará o tom daquilo que manifestaremos.

É claro que pode haver uma manifestação que contagie o grupo que pratica e o que grupo que assiste, como uma manifestação de alegria de uma equipe em situação de desempenhos satisfatórios que contagie o público, que delira de entusiasmo, especialmente por haver uma situação que ambos estavam desejando. Mas isso não exerce obrigatoriedade na igualdade de expressão de sentimentos.

Igualmente, a reação do público diante da performance realizada, seja negativa ou positiva, atingirá o atleta: ele será contagiado pelas emoções dos espectadores. O entusiasmo dos espectadores pode proporcionar-lhe a sensação de auto-segurança e confiança no desempenho, que o induz a novos esforços. Da mesma forma, a decepção e a raiva dos espectadores pelo desempenho apresentado abalará o atleta, podendo se contagiar pela decepção, perdendo o sentimento de segurança e otimismo pela performance.

A transferência dos processos emocionais entre atletas e espectadores ocorre quando ambos os grupos perseguem os mesmos objetivos, identificando-se mutuamente e desenvolvendo um sentimento de “nós”. Os fãs alegram-se juntamente com sua equipe pela vitória e sofrem a derrota com a mesma intensidade.

Estas trocas recíprocas de sentimentos e disposições entre espectadores e atletas e entre diferentes grupos de espectadores apoiam-se em processos sociopsicológicos como contágio social, transferência de disposição dentro do mesmo grupo e entre os diversos grupos, sugestão de massa, identificação com o líder (a estrela esportiva) e imitação de seu comportamento, adaptação ao comportamento do grupo, vivência do grupo e da comunidade, e por ai em diante.

Vale perceber que o medo é outro aspecto relacionado com o processo emocional, que nos causa momentos de muito estudo, por ser uma emoção que ocorre com freqüência no esporte. Esse sentimento pode ter múltiplas causas, como por exemplo, o atleta pode ter medo do fracasso que ameaça sua performance e carreira. O atleta que tem medo da contusão, em conseqüência de movimentos mal executados, medo do vexame social, o medo das consequências de seu mau desempenho.

PSICOLOGIA DO ESPORTE E FUTEBOL: UM CASAMENTO MARCADO

É sabido que, conscientemente os atletas têm medo de perder, e este medo pode provir de várias causas como: a derrota lembrará a alguns os castigos ministrados pelos pais, por não atingirem os padrões desejados por eles; a ansiedade da família a respeito de vitórias ou derrotas, e assim poderão ficar com medo de decepcionar sua família e treinadores; a derrota poderia prejudicar a imagem positiva que têm de si mesmo.

Não é muito explorado, mas as críticas da mídia que poderão sofrer diante de um fracasso é algo angustiante para o atleta e o artista que se expõe; e também temos aqueles que temem o sucesso, pelo fato de que futuramente os espectadores e fãs não o aplaudam como no presente, preferindo ficar menos “brilhante”, hoje, mas habitar o imaginário das multidões.

Mas o medo não é o único dos estados emocionais a tinturar os momentos esportivos: vários fatores levam os esportistas a praticarem atos de agressividade no esporte, considerando-se ou não seus níveis de ansiedade. Entre eles estão o local, a importância e resultado do jogo; o comportamento do árbitro, dos técnicos; a quantidade e o comportamento dos torcedores e as estruturas das regras esportivas.

Os torcedores são elemento muito importante do espetáculo esportivo, mas a violência entre eles seja verbalizada ou até mesmo direta, recorrendo a objetos jogados nos atletas, juízes e fiscais é uma variável específica para o aumento da agressividade dentro e fora da área de jogo, gerando uma ansiedade por antecipação aos momentos esportivos.

A agressividade vem da sociedade e também da família, mas considera-se a mídia como veículo de propagação da violência. Na torcida ou plateia e nos atletas ou artistas a agressividade é explicada também pela frustração pessoal extra-desportiva ou extra-espetáculo, quer pela existência de situação negativa para a equipe, quer pelo reforço de expectativas criadas pela mídia. É o não poder viver a situação do outro. O papel da mídia é a não publicação da agressão como espetáculo, procurando, assim, por um lado, uma verdadeira imersão em episódios agressivos, favorecendo a aprendizagem por observação de tais comportamentos, sem que se procure explicitar os objetivos do noticiário. Por isso repete-se, repete-se, repete-se a cena agressiva.

Vemos, ainda, que o comportamento agressivo dos espectadores está diretamente relacionado com a superlotação dos recintos, ou seja, uma forte densidade populacional em um espaço limitado leva as pessoas a um aumento de manifestações agressivas. Entendemos, assim, que muitos fatores concorrem para a alteração dos estados emocionais dos atletas e, desta maneira, a torcida, seja ela de que tipo e forma de atuação, coincide para que o espetáculo esportivo seja alterado, com andamentos imprevisíveis, uma vez que os atletas estarão vivenciando novas situações, em sua maioria motivadas pela alteração do próprio contexto social da exibição.

E, acima de tudo, este contexto social da exibição, popularmente conhecido como quadra ou ginásio de esportes ou palco, também sofre a influência da ação dos jogadores, com sua bagagem cultural e sua formação familiar. É um ciclo simbiótico que se instala, dialéticamente.

O esporte, de uma maneira geral, supostamente possibilita a conquista de uma posição social privilegiada, com todos os benefícios de uma independência econômica, levando o atleta a conquistar fama e poder, desfrutando as vantagens dessa posição. De certa maneira, atendendo ao sonho da maioria das pessoas, às vezes desavisadas, de que este período pode ser fugaz e demasiado curto.

Em sentido contrário, em muitos casos a passagem de uma vida tranqüila e pacata feita de anonimato para a agitação de rápida exposição social, não é realizada com base em estruturas psicológicas muito sólidas, carecendo de um amadurecimento forçado e prematuro. Em relação ao equilíbrio emocional necessário para administrar a vida particular conciliando as obrigações do ídolo esportivo, teremos um descompasso, requerendo do atleta uma preparação e maturidade para não prejudicar seu rendimento atlético e não feri-lo psicologicamente.

Temos notado que a conquista da fama, status e poder tem um custo elevado exigindo sacrifícios e prejuízos pessoais para prevalecer à efêmera vida do ídolo. Em muitos casos, a vida dupla de cidadão comum e celebridade esportiva, não comunga com os mesmos princípios e prioridades, criando uma caricatura bastante estranha de cada um destes personagens.

COMO OS ATLETAS SE TORNAM VULNERÁVEIS?

Durante a escalada para o sucesso, os indivíduos que buscam fama e possuem a necessidade de sucesso, são altamente motivadas para isso, no entanto, freqüentemente usam outras pessoas para alcançar seus objetivos e acreditam que as relações sociais e pessoais interferem em suas aspirações. Daí, vemos que nem sempre o sucesso era aquele desejado, mas o estruturado pelo empresário ou pelo pai, num determinado período da vida.

A passagem do adolescente pelas equipes esportivas de base, constitui-se em uma fase em que os atletas ainda não atingiram um índice elevado de reconhecimento ou não experimentaram nenhum “sabor” do sucesso, ou seja, são desconhecidos da imprensa e do público em geral. Apesar de toda habilidade e capacidade técnica para a modalidade esportiva, o adolescente ainda não teve uma exposição excessiva na mídia que pudesse torná-lo conhecido para atingir a fama das grandes estrelas.

Neste momento ainda podem fazer tudo o que um cidadão comum faz: ir ao cinema, andar tranqüilamente pela rua, passear pelo shopping sem preocupação com fãs, ir à banco, namorar na rua. A vida anônima lhe proporciona liberdade de ação, porém não possibilita ter acesso aos objetos de desejo e consumo, que custam muito caro e que é privilegio dos atletas famosos.

Isto apenas acontecerá após a participação em alguma competição importante, que sirva de vitrine para projeção do jogador. Essa situação muda repentinamente a rotina do atleta, tornando-o um alvo intocável, tirando-o a liberdade de continuar a ser uma pessoa comum, um ser humano com desejos e medos iguais aos dos outros de sua raça e idade. Aí começam os problemas.

A ocorrência do abandono das atividades esportivas por parte dos jovens, já é um fenômeno estudado por alguns pesquisadores. Sofrendo a concorrência com outras possibilidades de ocupar o tempo, o esporte, em determinada idade, é colocado em segundo plano na classificação das preferências dos jovens. Nem sempre trocado por uma causa mais nobre, as vezes os valores dominantes naquela temporalidade são mais fortes do que raciocínios muito intensos.

O ESPORTE COMO UMA ESCOLA. SENDO BEM UTILIZADO

Quando os adolescentes traçam novas metas e objetivos, passam a ter outras obrigações e expectativas como, trabalhar, estudar, namorar ou então o interesse por outra modalidade, algo é colocado fora de foco e a troca ou abandono se torna evidente. Esses fatores associados à necessidade de vivenciar outras emoções, provocam o abandono da prática esportiva de modo rápido e brusco, sem prévio aviso, beirando à irresponsabilidade.

A desistência da prática esportiva também está relacionada à forma de avaliação empregada para definir o desempenho dos atletas jovens. Nesse caso, quando o desempenho é avaliado confrontando os próprios padrões de capacidade e habilidade, as chances de continuar a praticar uma modalidade esportiva serão maiores do que entre os atletas que têm seu desempenho avaliado em função apenas das vitórias e das derrotas. Inclusive, além da forma de avaliar, conta muito a forma de comunicar essa avaliação: se foi com propósito de correção, se foi com propósito de cobrança ou se foi um mero deboche.

Sempre que se está diante do abandono, podemos prever que estamos diante do início de um outro jogo que é lutar para não cair no esquecimento. Enfrentar sozinho o esquecimento da torcida, o abandono da mídia, e a solidão pelo afastamento dos campos e de todos os seus significados é uma situação por demais constrangedora, que costuma levar o mais experiente dos atletas à depressão e sentimento de inutilidade.

Essa passagem se torna mais dramática, na medida que em qualquer outra ocupação não se encontra os mesmos atrativos que antes, muito menos as sensações e emoções que possibilitaram ao jogador viver intensamente sentimentos tão opostos, como euforia e tristeza, glória e fracasso, paixão e medo, alegria e solidão. Emoções que o fizeram viver no limiar da realidade e da ilusão. Em situações desta natureza se faz presente a necessidade de um profissional da Psicologia do Esporte, para análise do momento e intervenção pontual, sem perder o foco que é o bem estar do atleta. (foto acima: blogdetestefamila.blogspot.com.br)

AFONSO 2AFONSO ANTONIO MACHADO

É docente e coordenador do PPG- Desenvolvimento Humano e Tecnologias da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduando em Psicologia.