A psicologia aplicada ao esporte é uma das ciências do esporte, com pouco mais de 100 anos, mas apenas a partir do final da década de 90 que começou a ser amplamente utilizada e divulgada pelo mundo esportivo. Modernamente é aplicada para investigar as causas e os efeitos dos processos psíquicos que tem lugar no ser humano, antes, durante e depois de uma atividade esportiva e propor intervenções pontuais e diretas.

Numa sociedade que busca resultados rápidos, a grande dificuldade da implantação da psicologia dentro do esporte é que todos os envolvidos só acreditam nesta ciência quando aparecem os bons resultados e, na psicologia, estes resultados podem não ser muito imediatos. Desta maneira, a psicologia do esporte é deixada, muitas vezes, em segundo plano por parecer inútil, o que na realidade não é.

Outro ponto de dificuldade é a relação de trabalho, no grupo de aplicação, quando os treinadores e jogadores não sabem qual é a função destaCiência naquela equipe, visto que acredita-se ainda que futebol é feito de preparo físico e talento, apenas. Sem levantar a questão de que alguns aindapensam que os psicólogos do esporte só “tratam os loucos”.

João Havelange, na preparação da Copa de 1958, deu-nos a primeira noção da existência desta ciência, na ciência do esporte, quando se questiona o motivo para nomear um psicólogo. A resposta foi forte e firme, caracterizando o material humano em trabalho: muitos desses jovens eram oriundos de lares humildes, de favelas, de ambientes de grande privação. Eles tinham que fazer enormes ajustes, às vezes em período de tempo muito curto. Tinham que canalizar sua violência natural, tinham que compreender disciplina e aceitá-la.

Continua dizendo que uma das primeiras coisas que fez foi produzir, com ajuda desses profissionais (médicos, psicólogos e o resto dos especialistas), um relatório detalhado, altamente sigiloso, sobre cada membro potencial da seleção brasileira. Aqueles que, em nossa opinião, não poderiam ou não queriam fazer os necessários ajustamentos seriam cortados. O psicólogo desempenhou um papel fundamental em tudo isso. Não há motivo para enviar uma equipe que só esteja fisicamente preparada. Ela precisa estar também mentalmente apta. Isto é uma idéia do relato dado em 1958.Tal percepção ainda existe? Encontra eco e operacionalização? Acontece no futebol? Infelizmente ainda não é lugar comum e não é verdade que a Psicologia do Esporte esteja presente em todas ou quase todas equipes de futebol.

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Os preconceitos não diminuíram nem se modularam. Permanecem iguais aos do século passado, somados a alguns mais novos e melhor escamoteados. Desconhece-se, ainda, que o psicólogo do esporte é um profissional que trabalha no campo da saúde prevenindo, informando e assistindo, individualmente ou em grupo, segundo requer a área e o caso. A aplicação desta ciência irá reforçar os fundamentos psicológicos, os processos mentais e as consequências da regulação psicológica das atividades relacionadas ao esporte, de uma ou de mais pessoas praticantes do mesmo, onde o foco de ação esteja nas diferentes dimensões psicológicas da conduta humana, ou seja, afetiva, cognitiva, motivadora ou sensório-motora.

Nos momentos acalorados de debate, quando se discute sobre a convocação ou não de um psicólogo do esporte, percebemos que algumas restrições são desencadeadas pela falta de conhecimento do trabalho e também a outros fatos, tais como ignorância e preconceitos; onipotência e dificuldade para trabalho interdisciplinar (união da ciência e tecnologia); más experiências diretas e indiretas. Psicologia não é para louco e no esporte, ainda, tem outra perspectiva, que precisa ser apontada pelo profissional da área e pelo técnico, que lidera o plantel.

No entanto, nem sempre os técnicos e preparados físicos, que modernamente passam a ser designados de fisiologistas (sic) admitem a presença do psicólogo esportivo, que acreditam estar ali para controlar ou vistoria seus atos, sem conseguir trabalhar em equipe nem buscar um trabalho realmente interdisciplinar. Grandes equipes, adequadamente montadas, realizam reuniões diárias com grupos de profissionais que atuam junto aos atletas; deste o corpo administrativos ate pessoal da logística tem o que oferecer e facilitar para que atinja o rendimento esportivo de excelência.

Gerentes de clube, médicos, dentista, fisioterapeuta, psicólogo, técnico, fisiologista, massagista, roupeiro, nutricionista (e outros) reúnem-se para estudar cada um dos atletas, antes do inicio do dia, antes de começar a temporada ou em situações mais estratégicas, em que mudanças ou rearranjos se façam necessárias. Nesta proposta não há posição privilegiada nem onipotência funcional: todos apontam seus olhares que serão analisados e receberão o tratamento considerado ideal e adequado para aquele caso ou momento.

Atribuir a um elemento do grupo dirigente a função de ser o único que trabalha com o atleta já não é viável no esporte do século XXI. Muitas vezes a inexperiência, ou a má formação, ou ainda a história de vida esportiva dos técnicos ou auxiliares ou fisiologistas, que nunca tiveram acesso à Psicologia do Esporte pode ser o motivo da rejeição e não implantação deste departamento numa equipe. Mas é preciso admitir que em muitos casos o profissional desta área emergente também não tem bagagem ou na modalidade, ou na conduta da Psicologia aplicada ou orientação diante das necessidades do contexto.

Pelo fato do futebol ter status de “negócio” ele exerce muita influencia na escolha da atuação de profissionais de todas as áreas das Ciências do Esporte, assim fica muito fácil localizar profissionais inexperientes, com nível de conhecimento da modalidade e da abordagem contextual buscando uma entrada no clube ou equipe que está em destaque no momento. No entanto, a Psicologia do Esporte, por si só, não faz milagres; ela não é uma abordagem mágica que garante resoluções e mudanças radicais. Ela atua como coadjuvante no treinamento total. E o profissional da Psicologia do Esporte precisa entender deste treinamento total, também.

Com isso, a psicologia do esporte visa a compreensão de fatores psicológicos que podem intervir no comportamento esportivo influenciando aspectos físicos e psicológicos, sendo utilizada por atletas, técnicos e outros profissionais do esporte para desenvolverem e potencializarem habilidades psicológicas ligadas ao rendimento esportivo e ao bem estar psicofisiológico. Ela terá alcance no conjunto de propostas para o rendimento esportivo, quando aplicada por profissionais capacitados.

A proposta de atuação, nesta área, ficadificultado porque as pessoas só acreditam no beneficio quando veem isso acontecer imediatamente, no entanto, trata-se de uma conduta mais demorada, com adequações na trajetória de vida do atleta, muitas intervenções diferentes, individuais e coletivas, mas oferece seus resultados, como bem nos mostrou a equipe alemã de futebol, na copa do Rio de Janeiro. A função do psicólogo é manter equilibrados os motivos intrínsecos (comportamentos da pessoa para sentir-se competente) e extrínsecos (recompensas externas – dinheiro, medalhas, entre outros) dos atletas durante o dia-a-dia para a manutenção da motivação, buscando ter cuidado com os fatores extrínsecos para que estes não suplantem os intrínsecos e as recompensas falem mais alto.

Apesar de muito se falar que o educador físico é sempre um “meio psicólogo”, vamos pontuar que educador físico é educador físico e psicólogo é psicólogo: cada um teve sua formação, cada um busca a sua interdisciplinaridade e cada um tem sua atuação pautadapelo seu código de ética profissional. Desta maneira, partimos da ideia que treinador e o preparador físico não possuem qualificação necessária para ser o psicólogo da equipe, sendo necessário alguém com formação para isso. Cabe ao psicólogo do esporte clarificar aos treinadores, dirigentes, atletas e demais envolvidos, os princípios que norteiam o comportamento humano e propor estratégicas para o melhor desempenho de cada um.

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É fato que a preparação psicológica deve ser proposta e realizada a partir da periodização do treinamento físico, desde a fase de preparação específica até o momento da competição. Este detalhe permite incrementar o rendimento levando o atleta a potencializar seuauto-controle, regulando seu funcionamento cognitivo e emocional e favorecer melhor aproveitamento de suas qualidades físicas e psicossociais, garantindo bom rendimento nas competições.

O processo de avaliação psicológica no esporte ou o psicodiagnóstico esportivo refere-se ao levantamento de aspectos particulares do atleta ou da relação com a modalidade escolhida, tendo como objetivo determinar o nível de desenvolvimento de funções e capacidades psicológicas do atleta com a finalidade de prognosticar os resultados esportivos. Com o resultado do diagnóstico, de conhecimento exclusivo do psicólogo, teremos sugestões referentes a algumas particularidades pessoais ou grupais, para entãosubsidiar a seleção de novos atletas para uma equipe, ou mudar o processo de abordagem ao atleta e alterar o treinamento, individualizar a preparação técnico-tática, sugerir a estratégia e a tática de conduta em uma competição e otimizar os estados psíquicosnecessários para o bom desempenho da pessoa ou da equipe.

Alguns tópicos a serem trabalhados pelo psicólogo do esporte, no futebol, são de muita valia:ajudar a coesão do grupo para obter melhores resultados, por meio do planejamento de metas e objetivos alcançáveis eavaliar individual ou em grupo as áreas de concentração, confiança, motivação e controle de pressões, de maneira que os estados de ânimo estejam sempre sendo bem avaliados e potencializados para o desempenho.

Cabe ao psicólogo esportivo sugerir e favorecer o manejo de estratégias de trocas e desenvolvimentos dessas atitudes psicológicas e, até, trabalhar em casos pontuais individuais; ao fazer acompanhamento individual ou em grupo nestas competências, é ético e necessário realizar um informe ao treinador,colaborando, assim, para a melhor comunicação entre treinador e grupo. Torna-se, deste modo, uma maneira facilitadora de comunicação e de modelagem de estados de ânimo.

Observar os treinamentos e buscar recursos mentais para que o jogador renda o máximo, utilizando-se de filmagem dos treinamentos e das percepções das competências, trazendo estes dados coletados para sessões conjuntas entre o treinador e jogadores é algo positivo na abordagem do psicólogo esportivo. Ele pode complementar o trabalho do preparador físico com relação ao uso de visualizações ou treinamento autógeno, com o objetivo de ajudar a prevenir lesões e ajudar na reabilitação psicológica após lesão.

A proposta de ser um auxiliar do treinador e de seus assessores, certamente facilita a tarefa profissional e humaniza o grupo; lembramos que para o treinador a coesão grupal e controle de pressões se mostram bem importantes, já que ambos fatores estão explícitos em seu trabalho. A coesão grupal é importante para o treinador a partir do momento que ele necessita dos jogadores para uma determinada tarefa específica, visto que cada partida apresenta um mapa tático específico; o controle de pressão favorece o manejo das ansiedades e antecipações de ações individuais e coletivas, sempre pensando no rendimento do grupo.

Uma mesma pessoa poderá desempenhar diferentes papéis dentro de um único grupo, em situações diferentes, fato que poderá levá-lo a um conflito de papéis como vemos em alguns momentos de nossa própria vida, quando somos chamados a atuar como pai, marido, professor e filho ao mesmo tempo. Este conflito de papéis, no esporte, poderá ser percebido quando o técnico de uma equipe tem entre os atletas do grupo, seu próprio filho ou parente. Muitas vezes o papel que o pai deve desempenhar na relação com o filho, não é compatível com o papel que, agora, na posição de treinador, ele deverá desempenhar com o filho-atleta, uma vez que o nível de cobrança existente em uma função não é o mesmo necessário para a outra.

Indo mais adiante, os relacionamentos mais íntimos entre treinador e atleta também podem gerar algum desconforto ou configurarem-se como conflituosos, na medida que as atitudes do técnico divergirem das expectativas do jogador. Os atletas, ao considerarem o treinador como um bom pai, afetuoso, tolerante, acreditam que poderão se beneficiar daquele “bom caráter, bom coração”, não levando em conta que o pai também deve ser duro e exigente. Mas o técnico não é pai.

Lembremos, historicamente, de uma situação semelhante criada quando o goleiro titular da equipe principal do Santos Futebol Clube era o filho do Pelé. Ser filho do atleta aclamado como um dos grandes fenômenos do futebol mundial, certamente mais prejudicava que propriamente contribuía para sua carreira. O simples fato de ter um pai famoso induzia parte da imprensa, da torcida e talvez de alguns colegas de equipe a duvidarem da sua capacidade. A sua escalação sempre era questionada, evidenciando que poderia ocorrer muito mais por influência do pai que propriamente pela sua competência.

O desgastante nisso é que a luta para este atleta provar que tinha capacidade era maior e constante, especialmente nessa posição peculiar de goleiro, na qual a mínima falha representa a derrota da equipe, causando desconforto e conflitos de papéis, numa frequência desestabilizadora para muitos dos envolvidos. Portanto as relações criadas entre os membros do grupo estão associadas aos papéis que cada componente desempenha aos olhos daqueles membros.

Diferente dos atletas que precisam suar bastante a camisa e gastar muita energia para alcançar a satisfação, o prazer e o sabor de vencer, os torcedores e mídia não precisam fazer nada para se alegrar: resta esperar o bom desempenho do seu time. Porém, quando isso não acontece, é comum presenciar algumas manifestações como: vaiar, queimar bandeiras do clube ou então jogar moedas e dinheiro para o gramado como forma de provocação aos jogadores, insinuando que lhes falta amor à camisa, que no caso representa o clube.

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Este conflito se evidencia na medida que a interpretação da torcida e da mídia, sobre o jogo, é realizada como conquista de lazer com base na vitória, no entanto para o atleta o jogo acontece na perspectiva de trabalho, portanto independente da vitória ou da derrota, cumpriu seu papel de trabalhador. Aqui entra um diferencial de suma importância para os estudiosos do momento esportivo, no qual o psicólogo esportivo tem papel fundamental no equacionamento adequado, para o atleta.

Na Psicologia do Esporte é urgente o conhecimento das diferenças entre o momento esportivo, o espetáculo esportivo e a proposta esportiva, já que existem objetivos e vetores de atuação diferentes em cada um destes; podemos dizer que também entra em contradição os sentimentos dos atletas reservas, que lutam para ganhar um lugar na equipe titular, mas ao mesmo tempo têm que torcer pelo bom desempenho do colega, como recompensa para o sucesso coletivo. Isso inflama o torcedor e a família dos atletas…uma reação em cadeia.

O profissional da saúde mental será bem requisitado pelo técnico quetambém é envolvido em outro conjunto de conflitos: quando for preciso manter o atleta reserva altamente motivado para os momentos de substituição, e ao mesmo tempo conformado e submisso com o papel de reserva, visto que não pode provocar nenhum atrito e romper com a coesão do grupo. Tal momentocria uma zona de desconforto se analisarmos as relações de amizade que ocorrem entre alguns jornalistas esportivos e atletas e dirigentes, em função das transmissões dos jogos e da cobertura diária dos treinamentos, possibilitando uma proximidade incômoda nos momentos em que a imprensa precisa elogiar ou criticar.

O psicólogo do esporte precisa estar atento para uma intervenção no sentido de delinear espaços e permitir que cada um perceba seus próprios espaços profissionais que precisam ser analisados com olhos profissionais e não pela passionalidade da amizade. Notamos que alguns meios de comunicação, que mantêm um relacionamento conturbado com as equipes, por conta de suas de críticas e comentários provocantes, recebem a contrapartida dos atletas que não concedem entrevistas por determinado período. Estes jogadores evitam o contato com a imprensa mantendo o que se chama de lei do silêncio. O que se observa e sabe é que a relação entre eles, apesar de conflituosa é necessária para o desenvolvimento do esporte e para a divulgação dos patrocínios, quem mantém o elo “esporte-mídia” resistente e forte. A atuação do psicólogo esportivo é rica nestes conflitos e não estamos falando do “personal media” termo e função emergente no meio esportivo.

 

A imprensa depende das notícias do esporte assim como o atleta precisa da imprensa para se manter em evidência. E ambos necessitam do patrocinador para bancar as equipes e os horários nobres, espaços nobres, destaques em seus veículos de comunicação. Assim, fecha-se um círculo vicioso que merece um estudo profundo e revelador, onde o profissional da saúde mental desempenha um papel de suma importância.

Na sociedade, os papéis distribuídos às pessoas pertencentes a um grupo social, devem facilitar a interação, de modo que elas saibam o que esperar uma das outras. Entretanto, quando a expectativa é maior que o proporcionado, aparecem os pequenos atritos, os descontentamentos. O homem tem necessidade de conviver com seu semelhante, afiliar-se, agregar-se, porém o sentimento de perseguição ou de difamação atrapalha as convivências de tal forma que os isolamentos e distanciamentos, até mesmo de fugas chegam a perturbar o cenário esportivo, em função das interferências da mídia. O mesmo vale para o deslumbramento, tão comum no meio.

A Psicologia do Esporte é uma das Ciências do Esporte que veio para ficar: ela carece de espaço e de profissionais melhores formados para que se estenda a todas as equipes do território nacional, como o tão reconhecido fisiologista esportivo. Mas ainda precisamos de muitos estudos e aplicações para garantirmos uma conduta brasileira de atuação.

 

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AFONSO ANTÔNIO MACHADO

É docente e coordenador do PPG- Desenvolvimento Humano e Tecnologias da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, graduando em Psicologia.