Sinto-me chamada a escrever sobre as vivências de rancor. Aquilo que escrevo é para minha própria reflexão e, por certo, para encontrar um ponto de luminosidade com quem me lê, a fim de me melhorar a partir do outro. Escrever é um ato que prevê comunhão.

Penso no sentimento rancor que é antítese do amor: mágoa profunda instigada por uma ofensa ou pelo vitimismo. Não importa a causa, alimentá-lo envenena por dentro e o entorno. Na ofensa, o melhor antídoto é o perdão, No vitimismo, recordo-me das Instruções de São Doroteu, abade do séc. VI: “… o motivo de toda a perturbação é este: ninguém se acusa a si mesmo. (…) Na realidade, se alguém se examinar com diligência e temor de Deus, nunca se sentirá completamente inocente e cairá na conta de que, por obras ou palavras ou atitudes terá dado algum motivo de queixa”. Entrar na verdade pessoal e na verdade do próximo, com coragem, assumindo erros, sem pedras nas mãos, liberta.

Estou lendo o livro: “Amar no es acertar – Espiritualidad para náufragos” do padre espanhol carmelita descalço, Miguel Márquez Calle. Em dos textos, ele comenta sobre os demônios, sobre o Mal, com maiúscula, que destrói a pessoa, a divide, a afasta de seu lugar, de seu centro. O mal no próprio coração, que o endurece, que o amesquinha, que se relaciona com os demais à base de violência. E essa hostilidade, por certo, inúmeras vezes, se encontra nas palavras e no modo com que se olha. Padre Calle conclui o texto com uma afirmação e uma pergunta: “É verdade que há muitos demônios soltos por aí, então, por que não nos convertemos em anjos, anjos da luz, de paz, de solidariedade compassiva?”

OUTROS ARTIGOS DE MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE

VIVÊNCIAS DE COLO

VIVÊNCIAS DE ESPIRITUALIDADE

VIVÊNCIAS DE DESALENTO

VIVÊNCIAS E TROCAS

VIVÊNCIAS MISTURADAS

Incomodam-me o surgir de meus rancores nesta ou naquela circunstância. Ah, como é difícil domar o coração! A proposta dos carmelitas descalços para buscar a Deus, em horas assim, é evitar o confronto, calar os pensamentos e sentimentos de amargura, ressentimento, raiva, não desviar os olhos da Cruz e juntar-se ao sonho e ao projeto de Jesus.

Que o Senhor me ilumine, fortaleça-me no bem e me livre dos rancores!


MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE

Com formação em Letras, professora, escreve crônicas, há 40 anos, em diversos meios de comunicação de Jundiaí e, também, em Portugal. Atua junto a populações em situação de vulnerabilidade social. Acesse o Facebook