Nunca estive na Cracolândia em São Paulo, porém acompanho notícias de lá. Quem se aproxima e consegue um diálogo diz sobre a situação sub-humana em que sobrevivem pessoas de diferentes idades; criaturas à imagem e semelhança de Deus desfiguradas.

Recordo-me, na década de 90, quando uma integrante da Pastoral da Mulher/ Magdala começou a usar crack. Fez de tudo para que uma amiga, que também já experimentara diversos tipos de drogas, não utilizasse a pedra maldita, pois foi o que mais a fez se sentir de liberdade roubada.

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Sobre os últimos acontecimentos, dois comentários me chamaram muito atenção: um de Fernanda Carvalho e outro de Clarice Sandi, professora na Universidade Federal de São Paulo. Li-os no Facebook de minha cunhada, jornalista Regina Bernardi. Fernanda mora no centro de São Paulo há três anos e o filho estuda no Liceu Coração de Jesus. Diz sobre o avanço assustador da Cracolândia nos últimos tempos, impedindo a presença de familiares que desejavam resgatar seus entes queridos e de trabalhos solidários que ali aconteciam. Segundo ela, há algumas semanas, a polícia tentou salvar um dependente que estava sendo espancado e foi recebida com balas bem na hora da saída das crianças do Liceu. Concorda que deveria haver, na ação, mais estrutura para apoiar os dependentes e para impedir os saques e o terror que foi espalhado pelo centro, porém, segundo ela, aquilo que aconteceu foi a única forma de tentar salvar os dependentes dos traficantes. Quanto à Clarice Sandi, atuou dentro da Cracolândia. Viu: mulheres e trans serem espancadas até quase a morte, onde as execuções eram feitas, mulheres grávidas usando crack, sem que se considerasse o direito do feto, bebês nascendo nos hotéis e desaparecendo… Embora não queira tecer comentários sobre a ação, afirma que algo a mais precisava ser feito e considera que, de alguma forma, desarticulou o sistema perverso do tráfico que existia e, pelo menos para as crianças, que lá viviam, ficará claro que a criminalidade pode não dar certo.

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Não sou favorável a ações truculentas, porém tenho consciência de que, no Brasil, comumente tomam providências apenas quando a situação fica incontrolável. Outra coisa, se o tráfico cresce a cada dia é porque existe, também, a corrupção como parceira. O filho de Pablo Escobar, em diversas entrevistas, relata que o pai cresceu no mundo da criminalidade devido às pessoas com poder que conseguiu “comprar”.

Ao se falar, entretanto, em reinserção social e reconstrução, é preciso mesmo distinguir bem: traficante com lucidez, dependente que trafica e dependente químico somente. (foto acima: Marcelo Camargo/ Agência Brasil/Fotos Públicas)

 

CRACOLÂNDIAMARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE

Com formação em Letras, professora, escreve crônicas, há 40 anos, em diversos meios de comunicação de Jundiaí e, também, em Portugal. Atua junto a populações em situação de vulnerabilidade social.