Vivências de ADEUS

Como são difíceis as vivências de adeus! Semana passada, foi embora um de nossos “indivíduos de pelo”, felino tão querido, de 18 anos e meio de convívio. Deixou-nos em carne viva.

Quem conhece a intensidade do amor com o qual os animais nos tratam e nos olham, sabe bem do que falo.

O Bilico foi colocado aqui em casa, desconhecemos os motivos, com mais ou menos duas semanas.  A pessoa que o abandonou perdeu a oportunidade de estar com ele. Não passava de um fiapo de pelos brancos e amarelos de olhinhos azuis. Alimentado, de início, com mamadeira. Se estranhasse algo, olhava vesgo. Fez ninho em nosso coração. De imediato, passou pelos cuidados da competente dra. Célia Camargo da Dog Saúde. E foi assim em todos esses anos.

Um pouco desgovernado como eu, seu primeiro incidente foi cair do telhadinho do portão. Bateu o nariz. Pensamos que não sobreviveria. Reagiu. Brincalhão ao extremo: escalava a cortina, desenrolava o papel higiênico do banheiro, subia na perna da gente também, com aquelas unhas fininhas.  Uma graça!

Ele e eu nos aproximamos mais ainda em seus problemas físicos: a sarna, assim que chegou, a castração, três cirurgias no intestino, a cirurgia da orelha, devido ao câncer de pele, a pneumonia… Mamãe não tinha coragem de visitá-lo na Dog Saúde. Eu que ia e, na impossibilidade, o levavam as nossas vizinhas queridas Áurea Marcelino e Christa Renate Jeromin Verzi. Acabrunhado ou convalescendo, se punha na minha cama ou no tapete de meu quarto.  E caso eu não estivesse bem, aconchegava-se na cama ao meu lado. Há alguns anos, passou a tomar remédio para o funcionamento do intestino duas vezes por dia. Carregava-o de rosto colado ao meu e cantando para ele. Não custava a abrir a boca para a mamãe lhe dar o medicamento com a seringa. Jamais nos mordeu ou arranhou, mesmo se estivesse irritado. Logo cedo, aguardava-me para escová-lo, enquanto comia ração.

Era meu amorzinho de pelos macios, ternura e encantos.

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No domingo, cinco de agosto,  não quis comer ração, mas se alimentou com patê. No início da noite, teve alterações de coordenação motora. Levei-o à Dog Saúde, onde o Dr. Lopes, que fez de tudo para salvá-lo, me avisou que o problema era sério: neurológico. Não imaginávamos que sua chama de vida se esvaía. Ficamos de mão e pata dada até quase os últimos momentos. Estávamos juntos em seu derradeiro suspiro. Embora sangrasse por dentro, não poderia abandoná-lo. Que pena! Assolou-me na hora uma solidão dorida. No espaço que era dele em nossa vida ficou um vazio melancólico, que apenas o tempo poderá transformar em saudade agradável. Como os demais, não era um bichinho de estimação somente, mas um ser vivo que se inseriu na família e na casa.

Penso que se a brisa, que ronrona,trouxer sementes para o gramado em que ele foi sepultado serão, por certo, de girassóis.


MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE

Com formação em Letras, professora, escreve crônicas, há 40 anos, em diversos meios de comunicação de Jundiaí e, também, em Portugal. Atua junto a populações em situação de