Os segredos da BORBOLETA

Thyroid cancer, artwork

“Doutor! Eu tenho tireoide!”. Imagino que o médico ficará feliz com essa notícia. Nota de esclarecimento: todos nós temos tireoide e ela é muito importante para o funcionamento equilibrado do nosso organismo. Vamos aos fatos. O formato de borboleta da glândula tireoide é largamente conhecido e assim o reconhece a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), considerando a presença de dois lobos localizados na parte anterior do pescoço que guardam similitude com as asas desse belo inseto.

É uma das maiores glândulas do corpo humano e produz três hormônios, assim identificados: calcitonina (envolvida no metabolismo de cálcio); T3 (triiodotironina) e, T4 (tiroxina), com grande relevância para os dois últimos que afetam, absolutamente, todos os outros sistemas orgânicos, significandoafirmarque, qualquer problema com a tireoide, afetará o organismo como um todo.

Ela tem um papel fundamental no desenvolvimento cerebral do feto (por isso a importância do exame do pezinho que identifica problemas com a tireoide precocemente) e do recém-nascido, na regulação dos ciclos menstruais,na fertilidade, no peso corporal (não culpe a tireoide por sua forma esférica, poucos casos de obesidade estão associados a ela), na memória, na concentração, no humor e no controle emocional.

Quem dita seu ritmo é a hipófise anterior (ou adenohipófise) que produz o TSH (hormônio estimulador da tireoide), que por sua vez recebe estímulo do TRH (hormônio liberador de tireotrofina) produzido pelo hipotálamo. E como todo sistema hormonal, é autocontrolado: à medida que aumenta a concentração plasmática de T3 e T4, a produção de TRH é inibida, portanto, a concentração de TSH também reduz, diminuindo o estímulo à tireoide.

Lindo e perfeito!

Mas algumas situações tiram a tireoide dos eixos (literalmente) e provocam seu mau funcionamento, levando a uma superprodução ou a uma subprodução de seus hormônios, condições conhecidas por hipertiroidismo e hipotireoidismo, respectivamente.

As doenças tireoidianas são decorrentes de alterações funcionais e morfológicas da glândula e encontram-se entre os males crônicos não transmissíveis, com maior frequência de diagnóstico.

Os principais fatores envolvidos na gênese das disfunções tireoidianassão os mecanismos autoimunes, os fatoresgenéticos relacionados ao sistema HLA (histocompatibilidade humana) e os ambientais (dieta, estresse, consumo abusivo de drogas e medicamentos, por exemplo).

Qualquer pessoa, de diversas idades e independente de sexo, pode ser acometida por problemas na tireoide, embora a SBEM apresente mulheres acima de 40 anos como as mais afetadas por esse tipo de doença, estimativas mostram que a prevalência das disfunçõestireoidianas estão entre 2 e 4% nos indivíduos com mais de 65 anos de idade e de 0,5 a 1% na população geral.

As causas destes distúrbios podem ser primárias (problemas na glândula), secundárias (hipo ou hiperestimulação hipofisária) e, ainda, terciárias (hipo ou hiperestimulação hipotalâmica).

E basta uma breve consulta no Google, para verificar que muitos famosos tiveram problemas graves na tireoide devido ao uso abusivo das famigeradas “bombas” para emagrecer ou ganhar massa muscular.

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Só quem já passou por problemas na tireoide sabe o quanto é desagradável lidar com os sintomas, sejam eles de hipertireoidismo ou de hipotireoidismo, e quanto tempo aguardará para estabilizar e levar uma vida normal como d’antes.

Muitos são os fatores desencadeantes de problemas na glândula que estão na mira dos pesquisadores, dentre eles, o mais preocupante é o consumo excessivo de sal.

A iodação do sal no Brasil começou nos anos de 1950 (embora a deficiência de iodo tenha sido um grande problema nos anos 20, mas como tudo por aqui, a aplicação de medidas de correção chegam tarde) e os resultados disso são incontestes: os casos de bócio reduziram de 20% para 1,4% nos anos 2000.

Na tentativa (torta) de diminuir o consumo excessivo de iodo, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) determinou a redução do teor de iodo no sal de cozinha. Não seria melhor educar para reduzir o consumo de sal?

A OMS (Organização Mundial de Saúde) recomenda o consumo de no máximo 5g de sal por dia e a iodação foi calculada com base em uma dieta que contém 9g do tempero, porém, o brasileiro consome assustadores 12g de sal em um dia comum. O que dizer do consumo nos happy hours, restaurantes, churrascarias ou festas?

A SBEM concorda que o ideal é reduzir o consumo excessivo de sal, afinal não é só a tireoide que destrambelha nesse caso, mas, também, todo o sistema cardiovascular.

Não é só o iodo que pode levar a problemas tireoidianos. Sobram pesquisas na área demonstrando que a poluição é uma grande vilã e, se o é, o que se esperar de produtos de limpeza e remédios que podem conter iodo?

Potes plásticos e panelas antiaderentes também estão na mira das pesquisas, por haver suspeita de que liberariam compostos tóxicos capazes de afetar o funcionamento da glândula. Por enquanto nada de conclusivo foi encontrado.

Mas por que o foco no iodo?

Porque a tireoide utiliza esse mineral para produzir os seus hormônios T3 e T4. O excesso provoca um processo inflamatório atraindo anticorpos para a região e ataca de forma inclemente a pobre borboleta, o que pode levar ao inchaço da glândula (situação conhecida como bócio) e à sua completa falência. A falta de iodo impede a formação desses hormônios e, para compensar, a glândula sofre aumento em seu tamanho (bócio)o que pode levar a problemas de crescimento e desenvolvimento neural na infância.

É importante manter esses hormônios em equilíbrio, seja de forma natural ou medicamentosa, para evitar transtornos como insônia, ganho de peso, problemas gastrointestinais ou mentais (a depressão e outros transtornos estão, intimamente, ligados a problemas na glândula).

A área médica vive em periódica efervescência, gerando inúmeras pesquisas que indicam este ou aquele tratamento como o melhor, porém, o mais importante é ser bem assistido por um profissional especializado no assunto, considerando que cada caso merece a devida apreciação e o tratamento adequado.

Para encerrar, deixo uma frase de Rubem Alves para meditarmos: “Não haverá borboletas se a vida não passar por longas e silenciosas metamorfoses”.


ELAINE FRANCESCONI

Bacharel em Zootecnia (UNESP Botucatu). Licenciatura em Biologia (Claretiano Campinas). Mestrado (USP Piracicaba) e doutorado (UNICAMP Campinas) em Fisiologia Humana. Professora Universitária e escritora.