Eu tenho mania de organização, embora esse hábito entre em choque o tempo todo com a mania de manter meu ambiente particular desordenado. Parece contraditório, mas não é. A minha desordem é altamente organizada. Entendeu?

Pois é, aspectos mentais são muito complicados, mas tentarei projetar luz sobre um transtorno que, aparentemente, pode ser confundido com mania, mas não é: o Transtorno Compulsivo Obsessivo, conhecido como TOC.

O TOC ficou famoso e se espalhou como rastro de pólvora, como se cada individuo da face da Terra possuísse tal transtorno pelo simples fato de ter manias. Vamos à diferenciação.

As manias são alguns hábitos que não interferem na vida particular e/ou social do indivíduo. São trejeitos ou costumes caracterizados por alguma fixação (como no colecionismo), repetição exagerada de gestos, etc. Estes hábitos persistentes não são classificados como transtorno, quando não causam grande prejuízo na vida do indivíduo nem das pessoas próximas. Se tornarem-se prejudiciais em pelo menos duas esferas da vida (profissional, acadêmica, social, familiar ou amorosa) possivelmente, estamos diante da síndrome do TOC.

O TOC é um distúrbio psiquiátrico de ansiedade descrito no “Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais-DSMIV” da Associação de Psiquiatria Americana. A principal característica é a presença de crises recorrentes de obsessões e compulsões.

O Dr. Drauzio Varella explica que essa obsessão é representada por pensamentos, ideias e imagens que invadem a mente da pessoa insistentemente, sem que ela programe. Como um disco riscado que se detém sempre no mesmo ponto da gravação, permanecem patinando dentro da cabeça e o único jeito para livrar-se deles por algum tempo é realizar o ritual próprio da compulsão, seguindo regras e etapas rígidas e pré-estabelecidas, que ajudam a aliviar a ansiedade.

Alguns portadores dessa anomalia acham que, se não agirem assim, algo terrível pode lhes acontecer. No entanto, a ocorrência dos pensamentos obsessivos tende a agravar-se à medida que são realizados os rituais, a ponto de transformar-se num obstáculo não só para a rotina diária da pessoa, como para a vida da família inteira.

Imagine uma pessoa que tenha fixação por checagem do gás. Antes sair ela o checará dezenas de vezes até que, em algum momento, com o passar do tempo, ela simplesmente não conseguirá sair.

Na maioria das vezes os rituais se desenvolvem nas áreas da limpeza, checagem ou conferência, contagem, organização, simetria, colecionismo e podem variar de acordo com a evolução da doença.

Por muitos anos o TOC foi considerado uma doença rara por profissionais especializados em saúde mental, porque apenas uma minoria de seus pacientes queixava-se de sintomas compatíveis com essa condição. Porém, acredita-se que muitas pessoas tentamesconder seus pensamentos e comportamentos repetitivos,sem procurar por ajuda, o que leva aqueles profissionais a subestimar o número de pessoas portadoras da referida doença.

Uma pesquisa recente realizada pelo Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos (NIMH – National Institute of Mental Health, departamento oficial que financia pesquisas sobre cérebro, doenças mentais e saúde mental), propiciou um melhor conhecimento sobre a prevalência do TOC. A pesquisa do NIMH descobriu que este mal afeta cerca de 2% da população, ou seja, é mais comum do que a esquizofrenia e outras doenças mentais graves.

A doença apresenta algumas características comuns à maioria dos portadores, tais como obsessões e compulsões. As obsessões são pensamentos ou impulsos não desejados que retornam repetidamente à mente da pessoa como: “minhas mãos podem estar contaminadas – preciso lavá-las”; “devo ter deixado o bico de gás aberto”; ou “vou machucar meu filho”. Esses pensamentos intrusivos e desagradáveis produzem ansiedade.

A compulsão (comportamentos repetitivos) também está presente nos portadores de TOC que, ao realizarem atividades (lavar as mãos, checar o gás…), provocam a diminuição temporária da ansiedade.

Normalmente, as pessoas têm consciência que seus pensamentos obsessivos são desconexos ou exagerados e que seus comportamentos compulsivos não são realmente necessários. Entretanto, tal conhecimento não é suficiente para libertá-las de sua doença.

Durante um tempo, o portador de TOC consegue controlar os sintomas quando está no trabalho ou na escola, mas, em breve a doença passa a dominar a vida do transtornado, impossibilitando-o de realizar as atividades mais simples. É comum represar por anos o problema sem buscar ajuda médica, devido à vergonha e, quanto mais o tempo passa, mais dificultosose torna o tratamento.

O TOC tende a persistir por longo tempo, até mesmo décadas. Os sintomas podem tornar-se menos graves de tempos em tempos, podendo ocorrer longos intervalos com sintomas discretos. Em geral é uma doença crônica, aflige pessoas de todos os grupos étnicos, homens e mulheres são igualmente afetados. Os sintomas se iniciam, caracteristicamente, durante a adolescência ou no início da idade adulta.

A Associação Brasileira de Síndrome de Tourette, Tiques e Transtorno Obsessivo Compulsivo (ASTOC) indica dois tratamentos eficazes, que podem estar ou não associados: terapia medicamentosa e terapia comportamental.

Considerando que, antidepressivos e ansiolíticos são eficazes no controle da doença, podemos concluir que o TOC tenha uma base neurobiológica de desenvolvimento. Por essa razão, não se relaciona mais a doença a comportamentos adquiridos na infância, mas,sim,à interação entre fatores neurobiológicos e influências ambientais. Acredita-se que pessoas que desenvolvem TOC tenham uma predisposição biológica a demostrar reação de forma acentuada ao “stress”.

A manifestação de pensamentos intrusivos e desagradáveis, geram mais ansiedade e “stress”, criando, por fim, um círculo vicioso do qual a pessoa não consegue sair sem ajuda.

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Com o propósito de identificar fatores biológicos específicos que possam ser importantes para o início ou a persistência do TOC, pesquisadores financiados pelo NIMH têm utilizado uma técnica denominada tomografia por emissão de pósitrons (PET- Positron Emission Tomography) para estudar o cérebro de pacientes com a referida degeneração.

Alguns estudos sugeriram que os pacientes apresentam um padrão de atividade cerebral diferente daqueles sem doença mental ou com alguma outra doença congênere.

A fisiopatologia do TOC está relacionada aos gânglios da base, estruturas de localização subcortical profunda representadas pelo estriado (caudado e putâmen), globo pálido, substância negra e núcleo subtalâmico.

Estudos de neuroimagem têm demonstrado alterações morfológicas e funcionais nos núcleos caudados também (para maiores informações veja a pesquisa na íntegra no http://bit.ly/2BplRZC.

Há um modelo teórico que propõe a existência de uma disfunção no circuitofronto-córtico-estriato-tálamo-cortical. De acordo com esse modelo, o núcleo caudado não filtraria adequadamente os impulsos corticais, acarretando certa liberação na atividade talâmica, por ausência de inibição das estruturas estriatais.

Dessa forma, os impulsos excitatórios originados no tálamo atingiriam o córtex órbito-frontal, criando um “reforço” que impediria o sujeito de retirar o foco de sua atenção de certas preocupações que, normalmente, seriam consideradas irrelevantes. O mesmo modelo tem sido proposto para crianças e adolescentes, apesar das possíveis diferenças nas diversas etapas do desenvolvimento ainda não terem sido delineadas.

As imagens cerebrais desses pacientes demonstram atividade neuroquímica anormal em áreas do cérebro com participação reconhecida em certos distúrbios neurológicos, como na “Síndrome de Tourette”, uma condição que se desenvolve em determinadas famílias, caracterizada por movimentos (tiques motores) e vocalizações (tiques vocais) abruptos, involuntários e repetitivos.

Estudos genéticos de TOC e de outras condições relacionadas poderão, algum dia, possibilitar aos especialistas, definir com precisão a base molecular desses transtornos.

Um artigo publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria (http://bit.ly/2AeZCW7) no ano de em 2001, ainda válido como informação, revela que existe uma relação entre alterações neuropsicológicas e anormalidades bioquímicas (serotoninérgicas, glutamatérgicas etc.) provavelmente envolvidas na fisiopatologia do TOC.

Existem muitas teorias e todas elas bem complicadas para explicar, pois envolvem circuitos neuronais, seus neurotransmissores e alterações morfológicas. Tudo junto e misturado, que resultam nas apresentações físicas da doença.

Essas pesquisas são limitadas no tocante à amplitude de estudo (poucos casos), sexo (foram realizadas com apenas um deles), idade, etnia, entre outros, por isso, devemos olhar com cautela, mas, para a comunidade científica é importante que se tenha uma ideia do caminho a seguir para chegar à respostas melhores nos tratamentos propostos.

De todas elas, a que achei mais interessante, foi a que propôs cirurgia para diminuir essa desordem neuronal, assim como já se faz no caso de epilepsia refratária.

Li recentemente no Jornal “O Dia” (13 de novembro de 2017) que dois pacientes do Hospital do Coração (HCor), em São Paulo, foram operados, para diminuição dos sintomas de TOC, que no caso deles, os deixavam completamente dependentes de suas famílias.

A dupla foi operada em dezembro (2016), e é esperado que os resultados apareçam a partir de seis meses após a intervenção, portanto, os primeiros sinais devem estar aparecendo agora. O método empregado é o ‘Gamma Knife’, um aparelho que emite radiação gama somente nas vias cerebrais responsáveis pelo TOC e as ‘desconecta’. É determinado o local de aplicação com o exame de ressonância magnética e aplicam-seos raiosna área. “Não é preciso abrir, nem cortar a cabeça ou anestesiar o paciente”, diz Antonio De Salles, neurocirurgião chefe do HCor e responsável pelas cirurgias.

Muito se sabe, mas pouco se conclui, assim é a ciência. Em algum momento todas essas informações farão imenso sentido para a comunidade científica e autoridades médicas e serão muito úteis para o tratamento adequado individualizado, apesar de que, com o que se sabe hoje, é possível ter vida normal, embora existam blogs de pessoas que se dizem portadoras de TOC, ter vencido a doença sem tratamento, seja realista e se enxergue de forma real. Avalie a si mesmo sem paixão, nem vergonha e procure ajuda profissional. É a melhor maneira de viver uma vida plena e feliz. (Foto acima: thoughtcatalog.com)


ELAINE FRANCESCONI

Bacharel em Zootecnia (UNESP Botucatu). Licenciatura em Biologia (Claretiano Campinas). Mestrado (USP Piracicaba) e doutorado (UNICAMP Campinas) em Fisiologia Humana. Professora Universitária e escritora