Estava indo para São Paulo, sexta feira passada, quando deparei com uma placa luminosa na rodovia dos Bandeirantes, anunciando: ‘Junho Vermelho’. Sinalizava a campanha para conscientização da importância de doar sangue, cuja data de comemoração é dia 14 de junho (Dia Mundial do Doador de Sangue).

O sangue é uma substância proveniente do tecido hematopoiético (tecido conjuntivo responsável pela produção de sangue e linfa) presente no interior de alguns tipos de ossos (pélvicos, osso esterno, costelas e clavícula) e um verdadeiro horror para quem tem fobia de vê-lo. O coitadinho do meu pai não podia se deparar com uma mísera gota que apagava imediatamente. Era famoso na família por isso.

Essa fobia tem um nome bonito: hemofobia. Não confundir com aicmofobia, que é o medo extremo de agulhas, embora,em minha opinião, possam caminhar perfeitamente juntos.

Difícil falar de sangue sem pensar no coração, afinal, um sem o outro, não faz o menor sentido. Nas aulas de fisiologia humana tratamos o assunto como “Fisiologia cardiovascular”.

O fato de termos um órgão tão importante, que trabalha 24 horas por dia, cada dia de nossas vidas, considerado uma bomba mecânica e elétrica tão perfeita, que sem ele, seria impossível viver, remeteu-me à história antiga e como consideravam o coração.

No Egito antigo, por volta de 4000 a.C., estabeleceu-se um povo ao redor do rio Nilo que, mais tarde, tornou-se referência em inteligência e engenharia. Ali, entre faraós e suas esposas, muitas declarações de amor foram feitas e, seus corações, muitas vezes, entregues como prova de sua devoção e afeto.

Estaria o amor guardado em nossos corações? Com certeza não! Amamos por que temos cérebro!

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CURIOSIDADES CURIOSAS

Uma pesquisa publicada no Journal of Neuroscience (2012), mostrou que, quando nossos sentimentos de amor, apego e afeição estão aflorados, a região logo atrás do lobo frontal, na base cerebral, chamada de região septo-hipotalâmica, fica muito ativa. Não é por acaso que seja nesta área onde se encontra mais ocitocina no cérebro. Lembra-se dela?

Nesta linha de raciocínio, se o amor não está no coração, porque pulsa com tanta intensidade quando estamos apaixonados?

Por causa de outros neurotransmissores e hormônios produzidos no corpo, que levam à sudorese, taquicardia, tremedeira e boca seca,dentre outros sintomas, quando miramos o bem amado. Eles são chamados de noradrenalina e adrenalina, responsáveis pelos sinais característicos de estresse e ansiedade.

A principal função do coração, seguramente, não é amar, mas,impulsionar o sangue através dos vasos sanguíneos, a fim de levar oxigênio e nutrientes às células corporais, manter a temperatura do corpo em torno de 36,5, retirar excretas celulares e carregá-las para o rim a fim de eliminá-las através da urina, transportar hormônios e outros mensageiros químicos, abrigar o sistema de defesa e as ereções: peniana e clitoriana, durante o ato sexual.

Para cumprir o seu papel, o coração trabalha num ritmo alucinante: um indivíduo adulto de, aproximadamente, 70 kg de peso corporal, possui de 5 a 7 litros de sangue, que são bombeados pelo corpo inteiro em apenas 50 segundos. Ele pulsa 100 mil vezes por dia e,numa pessoa que viveu 80 anos, pulsou 3,5 milhões de vezes.

Nada mal para um órgão que pesa entre 250 e 400 gramas, não é mesmo?

O sangue que passa por dentro de suas câmaras não o alimenta, quem o faz são as artérias que o irrigam.

O sangue possui uma porção sólida,composta por células e outros elementos e outra porção líquida chamada de plasma, participando de 33% e 66% de sua composição total, respectivamente. A maior parte da água que ingerimos vai ser direcionada à formação de plasma. Num adulto normal, são produzidos por dia, cerca de 2,5 bilhões de eritrócitos, 2,5 bilhões de plaquetas e 1,0 bilhão de granulócitos por kg de peso corporal.

Estabelecida a importância desse sistema como um todo, o que levaria uma pessoa a necessitar de reposição de sangue? Não tem alternativa?

Em muitas situações, apenas a transfusão de sangue será capaz de restabelecer as condições fisiológicas de um indivíduo. Não há alternativa segura, porque:

 O sangue é insubstituível!

O sangue não é produzido artificialmente!

Nós somos a única fonte de matéria prima para uma transfusão!

Podemos chamar de transfusão, a transferência de sangue ou de um hemocomponente (um componente específico do sangue, como eritrócitos, plasma, plaquetas ou leucócitos) de um doador para um receptor.

Esse é um procedimento realizado com o intuito de aumentar a capacidade do sangue de transportar o oxigênio (ex.: anemia falciforme), restaurar o volume de sangue no organismo (ex.: hemorragias), melhorar a imunidade (ex.: hepatite) ou corrigir algum distúrbio sanguíneo (ex.: deficiências no processo de coagulação).

Jovens e adultos podem ser doadores, desde que pesem mais que 50 kg e tenham entre 16 e 69 anos. Algumas situações podem desqualificar o futuro doador de forma permanente ou temporária.

Pode ter sua desqualificação permanente determinada, no caso do doador possuir hepatite, algum tipo de câncer, cardiopatias, asma grave, malária, distúrbios hemorrágicos ou AIDS,dentre outros. N’outra esfera da doação, poderá ocorrer uma desqualificação temporária, anunciada nos seguintes quadros: caso de gravidez, uso de drogas, hipertensão mal controlada, hipotensão, anemia e outras tantas condições que são passageiras ou passíveis de controle.

Para cada doador será coletado, em média, 450 ml de sangue,que será armazenado sob refrigeração, para uso em até 42 dias. O problema é que são registrados continuamente, déficits na doação de sangue, que variam de 20 a 40%, dependendo da região e da época do ano.

É possível, a partir de um único doador, beneficiar até 4 receptores,  procedimento que pode ser considerado de grande benefício para aquelas pessoas que precisam receber essa fração de sangue, total ou parcialmente.

Testemunhei situação análoga, quando descobrimos que minha sogra havia desenvolvido câncer (mieloma múltiplo). Sexagenária e cardíaca, o tratamento da doença a debilitou bastante e, durante um ano, entre idas e vindas ao hospital AC Camargo (SP) consumiu mais de 40 bolsas completas de sangue ou hemocomponentes.

Considerando o número de pessoas que são atendidas naquele hospital, especificamente, ovolume de sangue utilizado nas transfusões chega a ser estratosférico. Dados oficiais do hospital apontam que 3,5 milhões de pessoas foram atendidas em suas dependências no ano de 2016.

A conclusão é óbvia: precisamos doar mais, mas o que o brasileiro tem de simpatia, falta em solidariedade.

Dados da ONU apontam que o Brasil, apesar de coletar o maior volume de sangue, em termos absolutos, na América Latina,doa proporcionalmente menos do que outros países da região, a saber: Argentina, Uruguai ou Cuba. Países desenvolvidos doam 9 vezes mais que países em desenvolvimento.

Quando se analisa a totalidade de doações no continente americano, o Brasil fica atrás dos Estados Unidos e do Canadá.

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Dado estatístico na doação de sangue no Brasil: seis em cada dez doadores (59,52%) são voluntários (ou espontâneos, aqueles que doam com frequência sem se importar com quem vai receber o sangue), proporção inferior à de Cuba (100% são voluntários), Nicarágua (100%), Colômbia (84,38%) e Costa Rica (65,74%).

O restante (40,48%) é formado por doadores de reposição, ou seja, aqueles que doam por razões pessoais (quando um amigo ou parente precisa de sangue).

Em que pese a progressão, em termos gerais, somente 1,8% da população brasileira entre 16 e 69 anos doam sangue ─ a ONU considera “ideal” uma taxa entre 3% a 5%, caso do Japão, dos Estados Unidos e de outras nações desenvolvidas.

Esses dados demonstram que o Brasil não doa pouco, mas, poderia doar muito mais. Por que então não o faz? O que impede a doação?

Especialistas apontam alguns motivos:

1) conscientização (incentivo desde a tenra idade. As escolas devem propagar esta prática);

2) derrubar mitos em torno da doação (Pessoas que acreditam que se doarem uma vez, deverão doar sempre. Outras acham que doar sangue engorda. Existem indivíduos que temem contrair alguma doença infecciosa durante a coleta ou ficará fraco durante dias).

Veja bem, a reposição do volume de plasma ocorre em 24 horas e a dos glóbulos vermelhos em 4 semanas. Entretanto, para o organismo atingir o mesmo nível de estoque de ferro que apresentava antes da doação, são necessárias 8 semanas para os homens e 12 semanas para as mulheres. Esses são os intervalos mínimos entre as duas doações de sangue, respeitado esses prazos, não há o que temer.

3) herança cultural (o Brasil não passou por grandes guerras como outros países);

4) deficiência estrutural (melhorar a comunicação entre hemocentros e hospitais para evitar desperdício de bolsas no processo);

5) normas e proibições (a ampliação da faixa etária doadora foi um ganho, mas impedir homossexuais de doar é um retrocesso).

Nenhuma dessas assertivas é imutável, mas o que é certo é a necessidade do exercício republicano da política na distribuição equânime e corretado dinheiro, possibilitando que a população seja educada para este fim e tenha acesso facilitado. Mas, o que é necessário e primordial, acima de tudo, é ter caridade e amor ao próximo, porque doar sangue é formar uma corrente de vida com a vida.

 

JUNHO VERMELHOELAINE FRANCESCONI

Bacharel em Zootecnia (UNESP Botucatu). Licenciatura em Biologia (Claretiano Campinas). Mestrado (USP Piracicaba) e doutorado (UNICAMP Campinas) em Fisiologia Humana. Professora Universitária e escritora