Você se considera uma pessoa intuitiva? É possível desenvolver a intuição? Onde reside a intuição? É possível tomar boas decisões seguindo apenas a intuição? Eu sempre me fiz essas e outras perguntas com relação à intuição.

Não é um assunto novo, Aristóteles (384 a.C.- 322 a.C.), discípulo fiel de Platão, discordava de várias teorias advindas do preceptor.  Essa era apenas mais uma delas.

Platão defendia o Inatismo, ou seja, nascemos com princípios racionais e ideias inatas, advindas de experiências adquiridas em um mundo inteligível, antes de nascermos e que seriam apenas “relembradas” no mundo atual, denominado de sensível. Para Platão existem quatro formas ou graus de conhecimento que são a crença, opinião, raciocínio e indução. É bem aí que Aristóteles discordava.

Ao contrário de Platão, Aristóteles defendia que a origem das ideias é através da observação e, o mundo sensível também é o inteligível. Ele afirmava que existem seis formas ou graus de conhecimento: sensação, percepção, imaginação, memória, raciocínio e intuição e que o conhecimento é formado e enriquecido por informações trazidas de todos esses graus, sendo um,a continuação do outro. O difere a intuição dos outros, é porque ela é puramente intelectual.

Discussão bem antiga, não é mesmo?

Mais um pergunta entre tantas: a razão tem razão?

Claro que sim, mas, convenhamos, não é possível racionalizar absolutamente tudo. As loucuras que fazemos por amor (aos filhos, namorado, namorada, trabalho, entre tantos outros), quando teimamos e comprovamos que a nossa razão estava redondamente enganada? São provas de que razão não é tudo.

Os sentimentos existem para provar esta tese.

Outra forma de conhecimento não respaldada pela razão é a intuição. Pouco valorizada no mundo racional que vivemos, é preciso olhá-la com mais carinho do que costumeiramente.

Sabe aquela certeza de alguma coisa, que você não sabe explicar por que ou de onde ela veio? Esta sensação, nada mais é do que a intuição se manifestando.

Ela é uma capacidade de conhecimento que eu e você temos, mas que nem sempre valorizamos, é verdade. Porém, está na hora de reavaliarmos nossa forma de nos conscientizar sobre as ocorrências: os pressentimentos podem nos induzir a tomar decisões melhores que as deliberações racionais. Para compreender, não basta pensar. É preciso sentir e, principalmente, intuir.

É uma aptidão passível de se desenvolver, pois, todos temos, assim como a capacidade de pensar.

A intuição incomoda nesse mundo racional, porque ela não advém de um pensamento linear, lógico, por vezes inclusive, desafiando o senso comum, mas, ao final e ao cabo, culmina por fazer todo o sentido. É como uma luz interna que se manifesta através de sensações inexplicáveis, sonhos, ou uma voz anunciando: “sim, isso vai funcionar” ou “não, nem tente isso”, explica a psiquiatra Judith Orloff, autora do livro Second Sight (“Outro olhar”, sem tradução em português).

Anteriormente, escrevi que é uma faculdade passível de ser desenvolvida. Acredite, tem quem ensine a fazer a isso. É o caso da psicóloga Virginia Marchini dos Santos, fundadora do Centro de Desenvolvimento do Potencial Intuitivo (SP), onde ministra cursos e presta consultoria de ampliação das competências humanas e profissionais. Ela afirma que a intuição é um conhecimento, como o racional, só que vem do nosso lado inconsciente. Para trabalhar com a intuição é preciso aceitar a existência de um inconsciente atuando na sua vida, diz a psicóloga.

A dificuldade em entender a intuição reside no fato de que ela é como um lampejo, uma resposta imediata que nossos neurônios constroem diante de uma situação, um pressentimento que nos inquieta porque não sabemos de onde ele surgiu, pois, não vem a partir de um raciocínio consciente, mas de um lugar desconhecido da nossa mente.

Filósofos e cientistas do passado já valorizavam a intuição como um ponto de partida para suas ideias. As sacadas surgiam intuitivamente e, depois, eles tratavam de colocá-las à prova sob a luz do racionalismo.  Basta ler sobre as grandes descobertas da ciência, para provar que foram realizadas com suporte na intuição ou por acidente.

Infelizmente, hoje vivemos num mundo em que não temos tempo de parar e intuir, de ouvir a pequenina e fraca voz interna que teima em nos dar a orientação, mas que ignoramos com tamanha energia.

O cérebro entraria em colapso se, para cada decisão, apenas a razão fosse escalada para resolver. Muito se relega ao inconsciente, artifício adquirido com a evolução que dotou nossa mente da capacidade de reagir antes mesmo de formular um pensamento, principalmente, em situações de risco, o que nos leva a crer que a intuição é uma aptidão evolutiva. Essa característica nos capacitou a tomar decisões, sem que, conscientemente, conheçamos as razões.

Exemplos: como sorrir, andar de bicicleta, desviar de buracos ou objetos ao dirigir, sem que gastemos uma única molécula de energia para racionalizar essas decisões. A mente intuitiva se adapta e age com economia valendo-se do inconsciente, das aptidões evolutivas e dos métodos empíricos que desenvolvemos ao longo da vida, dando atenção ao que realmente importa, ignorando todo o resto.

Acredite: na maior parte das vezes os pressentimentos se baseiam num volume diminuto de informações.

Intuir é lançar mão de outro sentido, além dos cinco existentes: tato, olfato, paladar, audição e visão equivalendo a outro, dentre os naturais. Ele melhora nossa relação com o mundo e facilita nossa vida. É o autoconhecimento que nos faz reconhecer os pressentimentos, pois evita confundir desejo e medo com intuição.

O relaxamento é importante para a percepção da voz interna. É sabido que o estresse atrapalha todos os sentidos e não seria diferente para a intuição.

A comunidade científica não põe em dúvida o valor da intuição, sob a ótica do automatismo mental que traz à consciência informações previamente guardadas, mas, daí a encará-la como um fenômeno capaz de prever acontecimentos imprevisíveis, é outra história.

O interessante é que, especificamente esta tese, corrobora o trabalho de Julia Mossbridge, neurocientista da Universidade de Northwestern (EUA). Ela avaliou cerca de 40 estudos publicados nos últimos trinta anos e concluiu (artigo publicado na Frontiers of Perception, 2012) que existe um fenômeno que nominou Atividade Antecipatória Preditiva (PAA): o sujeito não tem consciência de que um determinado evento negativo vai ocorrer, mas, o seu corpo detecta e provoca alterações cardiorrespiratórias, na pele e no sistema nervoso, antecipando o fenômeno.

Veja bem, ela não liga o pressentimento com capacidades paranormais, mas, à lei natural que ainda carece de investigação.

OUTROS ARTIGOS DE ELAINE FRANCESCONI

MASSOTERAPIA, TRABALHO FEITO COM AS MÃOS E COM O CORAÇÃO

ACESSÓRIO OBSOLETO

UM ESPINHO CRAVADO NA HISTÓRIA

CABELO, CABELEIRA, CABELULA, DESCABELADA

O COCÔ VALE QUANTO PESA

Outro neurocientista que trabalha com o assunto, Antonio Damasio, da Universidade do Sul da Califórnia, apregoa e devemos prestar atenção ao que ele chama de “marcadores somáticos”, que nada mais são do que mensagens que surgem das áreas cerebrais do lobo da ínsula (região responsável pelas emoções sociais, como culpa e orgulho) e da amígdala (responsável por nos instigar a responder a ameaças). Essas mensagens são aquelas que nos fazem sentir que algo parece certo, ou errado demais. Ele sugere que decisões racionais, devem ter o balizamento da intuição, dessa forma, a chance de acertar aumenta consideravelmente.

Opinião compartilhada pela professora Shabnam Mousavi, da Johns Hopkins Carey Business School.

Também temos representantes nessa área no Brasil. Bianca Rossi Rodrigues é pesquisadora da fisiologia da intuição. Sua trajetória como bióloga, mestre em biologia funcional e molecular a levou a conhecer o ser humano como um todo, único e ao mesmo tempo conectado a tudo. Atualmente sua missão é desmistificar a intuição e ensinar formas de desenvolvê-la. Ela tem um e-book onde ensina e desmitifica o tema que pode ser encontrado em http://www.jungnapratica.com.br/ebookbbdaintuicao/.

Estão convencidos de que a intuição existe? E ela é importante? Pois então, coloquemos em prática o exercício de considerá-la. Ela pode nos tirar de muitas enrascadas! (Ilustração: www.derosealtodaxv.org.br)


ELAINE FRANCESCONI

Bacharel em Zootecnia (UNESP Botucatu). Licenciatura em Biologia (Claretiano Campinas). Mestrado (USP Piracicaba) e doutorado (UNICAMP Campinas) em Fisiologia Humana. Professora Universitária e escritora.