O fogo “amigo” MACHISTA

O machismo é um tumor social que machuca emocionalmente, além de matar mulheres todos os dias. Isto não é novidade já que estatisticamente comprovado. Mas existe um tipo de machismo que pode machucar ainda mais. É aquele que parte de pessoas que, por sua postura ideológica, deveriam ser solidárias às mulheres.  Falo do homem que se diz “progressista, desconstruído e feminista”, mas que ainda reproduz um comportamento de superioridade em relação ao gênero feminino. É também machista.

A melhor definição para esse tipo de homem surgiu recentemente nas redes sociais e foi introduzido pelas feministas: o esquerdomacho.  Melhor explicando: esquerdomacho é um homem de ideais progressistas, com inclinações políticas de esquerda e que se diz “defensor dos direitos das mulheres”, mas que se contradiz em suas falas e atitudes em relação às mulheres com quem convive.

É aquele que defende o feminismo, posta textões contra o machismo nas redes sociais, que usa saias como forma de parecer “solidário” às mulheres, que diz “respeita as minas”. Mas essa empatia vai até a página em que a mulher não o incomode com a sua liberdade de ser, de ir e vir, de falar sem ser interrompida, de ser dona do seu corpo e de ocupar espaços de decisão e poder.

Quando as mulheres ultrapassam o limite do “tolerável” na concepção do esquedormacho, ele “brinda” as mulheres com posturas que fariam inveja aos assumidamente machistas reacionários. Aí veremos esse homem em ação assediando moral e sexualmente as mulheres do seu círculo de convivência, interrompendo, ou ignorando falas de mulheres em rodas conversas, ou debates, se opondo a ocupação de espaço e de liderança de mulheres na militância, na política, na cultura e em todos os espaços nos quais as mulheres se tornem “ameaças” para eles.

Não é simples reconhecer esse tipo de homem justamente porque, como dito acima, ele se disfarça sob um discurso igualitário e atitudes progressistas, mas, na prática, essas atitudes são tão opressoras quanto as vindas das pessoas mais reacionárias.

Mas, no caso do esquerdomacho, há um requisito que torna sua atitude machista um pouco pior: o autoperdão. Sim porque, para ele, a carapuça do machismo nunca lhe serve.  Para esse homem, a conduta machista parte apenas de outros homens, “aqueles que não evoluíram tanto quanto ele”.

E se alguma mulher ousar desmascará-lo, ou confrontá-lo publicamente, o esquerdomacho assume imediatamente uma condição de vítima de uma mulher “louca”, “barraqueira”, ou que “sofreu desilusão amorosa porque ele não quis ficar com ela.”

Esse homem tentará, de todas as formas, colocar em dúvida a sanidade da mulher que o confronta, dizendo que “nunca foi machista, porque é um homem progressista e, como tal, sempre respeitou o espaço e o lugar de fala das mulheres”. Ou seja: na sua defesa, a atitude do esquerdomacho consegue ser ainda pior do que a atitude anterior que gerou a crítica, porque ele faz exatamente o que manda o roteiro machista: submete a mulher a uma censura da sociedade que passa a enxergá-la como uma pessoa “injusta” e “sem credibilidade”.

Aqui em Jundiaí exemplos (e exemplos recentes) não faltam sobre este tipo de homem. Eles são encontrados em todos os espaços progressistas da cidade: nas militâncias de direitos humanos, como os Movimentos LGBT, Negro, da Cultura, Partidários, além de faculdades, bares descolados e também dentro de casa.

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Claro, sabemos que os preconceitos nos são ensinados desde que nascemos e isso não é diferente em relação aos homens que se dizem “progressistas desconstruídos”. Derrubar os muros que dividem o “EU” que somos e o “EU” que pretendemos ser, é uma tarefa árdua que exige consciência e maturidade.

Por outro lado, se temos a pretensão verdadeira de lutar por um mundo mais igualitário, em todos os sentidos, incluindo as relações de gênero, é preciso reconhecer nossa hipocrisia, que vem junto no pacote de preconceitos, e enxergar que ainda não superamos nosso sentimento de superioridade em relação a objetos de nossos preconceitos.

Assim, e voltando ao tema deste artigo, é crucial que os homens que se dizem progressistas façam uma avaliação de seus atos e pensamentos e  a sua mea-culpa quando necessário, no que se refere a sua relação com as mulheres.

Não há fórmulas mágicas para desconstruir o machismo, apenas vigilância diária em relação às nossas posturas e a vontade sincera de erradicá-lo de nosso convívio, pelo menos do convívio progressista, porque as mulheres já são obrigadas a lidarem com o machismo dos reacionários, todos os dias de suas vidas. Agora, ter que suportar fogo “amigo” machista não dá! É inaceitável!


ROSE GOUVÊA

É advogada, militante feminista e LGBT de Jundiaí