Pego-me revendo coisas com as quais não lido sempre, ou até tratando daquilo que me diz respeito. Mas fico muito antenado quando preciso resolver algo para ou de alguém que gosto. Isso me consome e me deixa num estado de enorme ansiedade. As vezes me acompanha até minha terapia, virando fala ou causando tumulto na minha já tumultuada cabeça.

Qual seria o motivo deste acontecimento? O que faria que as coisas tivessem tamanha conotação? Realmente sei o fato de tamanho empreendimento e sei que não é em vão: lidar com questões relativas aos nossos bem-quereres é suficiente para nos deixar em alerta.

Viver uma nova vida possibilita desbravar nossos cantos e campos. São novos horizontes, novos temas, novas propostas e novas perspectivas. É caminhar sobre ovos e correr na areia. É resistir ao atropelo do tempo e curtir, gota a gota, cada detalhe e palavra, consumindo com satisfação os segundos em que se tem prazer conjunto. É viver com e para. Os amigos merecem este desprendimento.

Esta regra vale para todos? É uma regra universal? Quando e onde e para quem deve ser adotada? Pois então…a regra da Vida vale para quem está na Vida (meus alunos diriam: estar na vibe) e, desta forma, ela vale para aquele que conduz sua existência, com seus princípios e propósitos, únicos e indeléveis. Mas para quem se diz senhor de seu caminho.

O princípio da descoberta é atemporal e como tal vem cheio de surpresas, medos, certezas, novidades, mesmismos, cobranças, alegrias, gratidões, risos, choros, noites e dias. Mas ele é atemporal e sempre cheio de situações a serem vividas e sentidas. Sim, porque podemos passar pela Vida sem nada sentir; dai cabe a pergunta: que gosto teria uma Vida sem sentimentos?

De novo, sem ser novamente, pego-me pensando nos amigos de antes. Nos amigos da infância, das primeiras letras, do inicio de ginásio. Amigos da rua ou da escola. Surpreendo-me por notar que daqueles sobraram dois: Sonia Maria Henrique, minha irmã amada, e Zé. Estes são amigos que guardo a sete chaves e não estão do lado direito do peito: não caberiam, então ocupam todo o espaço possível.

E avanço. Passo pelo colégio, pelas namoradas, pelas que quase foram namoradas. Quantos sobreviveram ao tempo? Novamente duas. Uma que foi, é e será minha eterna menina querida, a quem protejo e acolho e sempre estou no celular com ela. Outra mais distante, mas igualmente amada. Ambas com famílias constituídas, mas atentas aos acontecimentos e vivas, conscientes, no mais amplo sentido da palavra.

E continuo a avançar: das faculdades por onde estudei sobraram poucos. Alguns são colegas de profissão; colegas não são amigos. São companheiros, acompanham, passam, flutuam por perto. Não percebo amigos deste período. E não me sinto tocado por esta inexistência: as faculdades anteriores compuseram um período de muita turbulência e busca, e a carreira solo foi bem pretendida e cultuada. Momento de saber mais, de adquirir mais elementos, de compreender o Mundo com outros olhos Talvez sejam estes os motivos que não permitiram imprimir novos participantes de minha já participativa vida. Talvez.

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Especialização, mestrado e doutorado foram realizados com carreira acadêmica já iniciada e estabelecida; eram outros tempos e isso dificultou as passagens de pessoas, limitou o espectro de interesse, dificultou um olhar para o mesmo foco: cada um muito ajustado em seus caminhos, conduzindo seus interesses por espaços ímpares. Nada a reclamar, mas não agregou uma amizade arrebatadora. Foram períodos bem vividos, bem gostosos, mas sempre com perspectivas profissionais norteando rumos.

A passagem por modalidade esportiva competitiva trouxe muita gente amada. Muita gente querida, que caminha quase ao meu lado, ainda hoje. Os dissabores eu computo em minha inexperiência de contornar problemas, uma vez que sempre fui adepto do tomou-levou. Afastei de mim pessoas que afastaria novamente, porém hoje com mais rigor e mais velocidade. Neste período aprendi que podemos ter incertezas de quem queremos ao nosso lado, mas temos que ter claro quem não queremos conosco.

Aprendi e uso até hoje, tal ensinamento. Foram momentos de muita aprendizagem, uma vez que o esporte de alto nível é diretivo, rigoroso, radical e dura pouco o tempo de vida útil de seus participantes. Desta maneira é viver com intensidade e desprendimento, o que fiz na época: deixo cargos e empregos rentáveis para uma vida numa cidade desconhecida e distante, levando na sombra 13 jovens atletas que se transformaram na família que teria que prover. E provi.

Estes se transformaram em grandes homens, são pessoas reconhecidas por onde passam, são vistos como um grupo de elite, o que realmente foram, e compõem minha celular familiar, ainda hoje. Alguns são mais presentes, outros menos, mas nos respeitamos e muito. Houve cisão, é claro, indícios fortes de traição. Mas que viva feliz com sua pobreza de espírito e que cresça onde estiver. Missão cumprida e espaços liberados; quando nos encontramos, mantemos o formato do grupo, brincamos, trocamos mensagens, fotos, somos presentes como podemos. Mas ressaltamos que fomos muito felizes, nos velhos tempos. E ponto.

O tempo tem pressa e acelera seus passos. Minha mãe entra num processo de envelhecimento um tanto tumultuado, eu e meu amigo de infância, o Zé, resolvemos passos importantes nesta fase de Vida da mãe amada. Tento retornar à cidade, sinto que não me adapto mais à Jundiaí. Fico dividido entre o dever filial e a possibilidade de leva-la comigo, mas acabo cedendo e coloco-me na estrada, diariamente, percorrendo estes duzentos e sessenta quilômetros, mas vindo para a casa…a minha casa…a nossa casa.

E, de repente ela parte. Parte comigo iniciando uma faculdade, envolvido com outros mundos, buscando o mais novo dos novos, atropelando processos e espaços. Aluno universitário idoso entre um grupo de meninos e meninas que não percebem a Vida passar e não tem ao certo a clareza do que os espera no mundo profissional a que se iniciam. Professores com olhares desconfiados dirigidos ao aluno maduro; gestos pouco dóceis motivados pela insegurança e pela petulância daquele aluno, que já conhecia aquele caminho.

De sala em sala, de turma em turma, a superação da morte de minha mãe só foi possível porque o acolhimento do grupo garantiu retaguarda. Muitas surpresas com alguns professores que perceberam minha história e baixaram a guarda, acolhendo-me e supervisionando-me. Muitas emoções, muitas histórias e muitas surpresas. Na verdade, voltar ao ensino superior, maduro e experiente, foi um desafio gigantesco que lancei para mim mesmo. Uma quimera que ou eu vencia ou seria devorado. Estou vencendo, passo a passo.

Lógico está o fato de que meus orientandos de iniciação científica, mestrado e doutorado estiveram ao meu lado, sempre. Dos momentos mais festivos _ uma vez que fazemos Carnaval temporão, Festa Junina de Maio, Bumba meu boi, Natal especial, em épocas que não as adequadas_ até os momentos mais tensos como os acertos de trajetórias, os deslizes e as defesas, que sempre beiram à tensão.

Tê-los ao meu lado, na despedida de minha mãe, foi uma graça divina, uma transmissão de energia ímpar e um conforto de alma. Meus orientandos são os filhos que a Vida acadêmica me deu, razão que me faz zelar e supervisionar tudo, passo a passo, para que não percamos tempo e sejamos adequados aos nossos interesses. Esses personagens povoam meu sonho e meu imaginário com muita força. Também houve cisão. Também houve quem quisesse ocupar um espaço que não lhe era devido. Tudo foi resolvido numa conversa direta e franca e até me pergunto: quem foi mesmo? Não me lembro…não vivo o passado.

Mas, e os amigos do curso novo? E as vivencias, as correrias, os desafios? Com quem divido meu espaço? Então, tudo é uma aventura: muitos trabalhos, salas muito grandes, muitas atividades diferentes, a grandeza e a profundidade dos estágios, as supervisões que envolvem e desgastam tamanho o vigor das mazelas humanas e…aquela criançada que não sei se chegará ao final do curso.

Minha disponibilidade não aumentou nem meu olhar crítico diminuiu, no entanto consigo contextualizar e perceber que são outros tempos, outro modelo de homem, outra civilização, outros compromissos e outros envolvimentos. Isso me faz estabelecer critérios diferentes e olhares diferentes para cada uma das abordagens feitas, de lá para cá e daqui para lá, afinal a amizade é uma via de mão dupla. Diante disto, sinto-me pleno e seguro.

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Cada desafio recebe o carinho, cuidado e solução que merece. Quando não consigo me localizar ou me desfazer de questões mais difíceis ou extremas, conto a ajuda de minha terapeuta, para debater e divagar sobre temas mais arraigados e profundos. Mas tem sido uma fonte de crescimento, viver neste grupo. Aprendo muito com eles; seus olhares imediatistas, suas despreocupações temporais, suas fugacidades e impropriedades, suas liberdades e vergonhas funcionam como uma aula de ”O contexto agora é esse”. E é neste contexto que estou me inserindo, sendo deles sem ser, uma vez que sou do século passado.

Voltar a sentar numa sala de aula, junto com meus colegas e amigos, possibilita-me reconhecer outro espaço de Vida, outra forma de Viver e ser feliz. Renova-me estar com eles e perceber suas ações e sentimentos. Estimula-me notar que posso acolher e ser acolhido. Garante-me mobilidade nesta temporalidade ser e estar aluno, com estes a quem escolhi e por quem fui escolhido. Em dois ensaios, sai da minha rotina para estar com eles: num almoço e num happy hour. Momentos ímpares e grandiosos, onde a graça e a leveza daqueles que sabem o que é ser amigo se fizeram presentes.

O que um homem pode esperar de seus amigos? O que pode acontecer? Penso que muita coisa possa vir a acontecer, mas uma delas é inevitável: a aceitação, o acolhimento que apenas um amigo sente e tem pelo outro. Isso é recíproco, é reflexivo, e verdadeiro neste grupo. Aqui todos somos personagens de nós mesmos. Um alter ego que se situa. Uma tatuagem que se perpetua, na alma do outro, sem ser dolorida ou descolorida. Perfeita. O que esperar? Tudo e nada. Sempre com a certeza de que o sempre “sempre acaba” e o ciclo recomeça. Então…um brinde aos amigos. Vocês são adoráveis. (foto acima: caugorestaurant.com/blog)

 

BRINDEAFONSO ANTONIO MACHADO

Docente e coordenador do PPG- Desenvolvimento Humano e Tecnologias da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduando em Psicologia.