Não há quem desconheça as abelhas: desde os tenros anos, aquele “bzzz…” pertinho pode significar uma ferroada, então, convém manter distância segura. Aos poucos vamos conhecendo as dádivas que produz, desfrutando do mel às colheradas e em quitutes, as propriedades múltiplas da própolis e naturalmente sabemos que elas são do bem. Mas uma ameaça paira sobre a população das abelhas: registros de morte, em massa, de centenas de milhares de indivíduos em vários locais do planeta colocam em cheque o papel das atividades humanas em oposição à sua sobrevivência. Ou não?

Um grande farol para o mundo acendeu-se sobre o tema a partir da chamada na revista Time, matéria de capa em 2013, “O Mundo sem Abelhas”, sobre o risco de desaparecimento das abelhas melíferas, pois sua importância vai bem além da já inestimável riqueza produzida nas colmeias. Por quê?

As abelhas são responsáveis por cerca de 70% da polinização dos vegetais consumidos no mundo, diretamente propiciando a fecundação das flores e assim, do desenvolvimento dos frutos, sejam de amêndoas, maçã, melão ou castanha do pará. Vimos no texto anterior o incremento de produção em torno de 25% nos açaizeiros visitadas pelas abelhas, não é? A listagem é enorme, então junte-se berinjela, pimentão, maracujá e outros tantos que dependem da presença ativa das pequenas e laboriosas abelhas.

Como causas do impacto letal a esses insetos estão os agrotóxicos, especialmente da classe dos neonicotinoides, de amplo uso nas lavouras em todo o mundo e as secas prolongadas, sinais dos eventos extremos causados pelas mudanças climáticas já em curso. Infestação de ácaros nas colmeias, expansão de monoculturas, como soja e milho, que fornecem pouco pólen e até mesmo as técnicas para aumentar a produção de mel concorrem para um outro fenômeno, o distúrbio de colapso de colônias (ou CCD, na sigla em inglês), que provocam a desorientação espacial das abelhas, também podendo causar-lhes a morte.

Prof. Malaspina (UNESP/Rio Claro) em conjunto com outros da UFSCar e FMU apresentam números preocupantes, ainda que não se saiba a causa precisa dessas mortes: 20 mil colônias de abelhas foram perdidas no estado de São Paulo entre 2008 e 2010; 100 mil em Santa Catarina apenas em 2011; e as estimativas apontam para perdas anuais de 40% de colmeias no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais, destacando-se que cada colônia ou colmeia tem, em média, 50 mil indivíduos.

Este grupo de pesquisadores têm se debruçado especificamente sobre a relação entre pesticidas e abelhas, e há registros onde não restam dúvidas da relação causa e efeito. Tome-se o caso em que um apicultor de Boa Esperança do Sul (SP), em 2008, teve dizimada toda sua produção em apenas três dias: na terça ele tinha 400 colméias; na quarta houve uma aplicação aérea de pesticidas num local próximo e já na quinta todas as abelhas estavam mortas. O resultado da análise foi preciso: o agrotóxico utilizado continha o princípio ativo da classe dos neonicotinoides.

Diante desses fatos, poderíamos supor que há consenso entre produtores e pesquisadores sobre o assunto. No entanto, veremos que há muitos interesses envolvidos, e muitas questões ainda sem respostas. Vamos ver algumas. Os neonicotinoides são largamente usados em grandes culturas da soja e da cana de açúcar no cerrado, por exemplo. A questão envolvendo a proibição ou restrição do uso é complexa, pois envolve os grandes mercados de agrotóxicos, sendo o Brasil hoje seu maior consumidor mundial, a manutenção da produtividade de culturas agrícolas de grande apelo econômico, que necessitam de produtos eficientes para seu controle de pragas e pesquisas que mostrem de forma isenta e inequívoca os danos que estão sendo causados por determinados agrotóxicos às abelhas.

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Botton e outros (Embrapa/soja) apontam que é consenso entre pesquisadores da área de manejo integrado de pragas que a questão não é provar que os agrotóxicos não matam as abelhas e sim, dentro da perspectiva de proteção a polinizadores, gerenciar o risco ambiental representado por tecnologias aplicadas nas grandes culturas, como o algodão.

Pesquisas brasileiras envolvendo colaboradores australianos (Revista FAPESP 221, julho/2014) utilizam experimentos com chips no monitoramento de abelhas, visando ampliar o conhecimento sobre seu comportamento em condições variáveis de campo.

Sabemos que corremos contra o tempo, pois muitas vezes a gravidade dos impactos das atividades humanas pode ser irreversível sobre as cadeias de espécies vivas que nos rodeia e que nos garante a sobrevivência. Que sejamos céleres em protegê-las!

Para saber mais: http://www.semabelhasemalimento.com.br/wp-content/uploads/2015/02/polinizadores-e-pesticidas-final-.pdf

 

 

ELIANA CORRÊA AGUIRRE DE MATTOS

Engenheira agrônoma e advogada, com mestrado e doutorado na área de análise ambiental e dinâmica territorial (IG – UNICAMP). Atuou na coordenação de curso superior de Gestão Ambiental, consultoria e certificação em Sistemas de Gestão da qualidade, ambiental e em normas de produção orgânica agrícola.

 

 

 

 

 

CRÉDITOS/FOTOS

.Caixas abelhas e agrotóxico – https://bit.ly/2vz0f9R

.abelhas mortas – https://bit.ly/2qwd3N7

. abelha cheia de pólen – https://bit.ly/2HkYtCy

. abelha + flor – https://bit.ly/2qAY19J